A regra da fidelidade partidária virou fonte de uma explosão de infidelidade na Câmara. Para burlar a resolução sem descumpri-la, os políticos brasileiros criaram cinco novos partidos na última legislatura. O resultado foi uma migração recorde entre legendas na Câmara: 90 cadeiras trocaram de mãos, o maior número desde a era Collor. Este número equivale a 17,6% dos deputados. Eleita em 2014, a nova legislatura terá um recorde histórico de agremiações representadas: 28.
As mudanças não devem parar por aí. Nos corredores de Brasília, três novos partidos estão sendo construídos por apoiadores do governo Dilma Rousseff para abarcar parlamentares que, mesmo sem tomar posse, já estão insatisfeitos com as legendas pelas quais foram eleitos.
A regra da fidelidade partidária foi estabelecida em resolução pelo TSE, em 2007. Após consulta realizada pelo DEM, o tribunal entendeu que os mandatos pertencem aos partidos, e não aos parlamentares. Logo, quando um parlamentar trocasse de legenda, ele deveria perder o mandato. Esperava-se, na época, que essa regra reduzisse o número de políticos que “viram a casaca” no meio de seu mandato – o que, de fato, aconteceu naquela legislatura, quando apenas 35 cadeiras trocaram de dono, número mais baixo desde a redemocratização.
Brecha
Mas havia uma brecha na decisão: em caso de fusão ou criação de novos partidos, a regra não valeria. A partir de 2010, isso gerou uma nova modalidade de agremiação: o “partido-barca”. Para atrair opositores para a base de apoio, ou vice-versa, bastava criar uma nova legenda.
Em quatro anos, cinco novas agremiações passaram a compor a sopa de letrinhas da política brasileira: PSD, Pros, SD, PEN e PPL. Juntas, as três primeiras terminaram a legislatura com 87 deputados – 16,9% da Câmara. Desde 1995, quando o PPR e o PP se uniram para formar o PPB, não ocorriam mudanças tão relevantes no cenário partidário brasileiro.
O total de mudanças de cadeiras entre partidos na Câmara, considerando também trocas de deputados que renunciaram ou faleceram, chegou a 90. A última vez que isso havia ocorrido foi durante os governos de Fernando Collor e Itamar Franco – no total, 104 cadeiras trocaram de legenda.
Barcas
Cada “partido-barca” teve uma função específica, mas ainda assim servindo como uma forma de driblar a regra da fidelidade partidária. Em 2011, o PSD foi criado por Gilberto Kassab para aglutinar insatisfeitos do DEM, seu partido original, e de outras legendas de oposição e migrar para a base de apoio ao governo.
Já em 2013, o Pros e o SD surgiram com funções exatamente opostas. O Pros, liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, foi formado por dissidentes do PSB que discordavam da candidatura de Eduardo Campos e queriam se manter no governo – e serviu, também, para abrigar outros insatisfeitos com suas legendas. Já o SD, liderado por Paulinho da Força, então no PDT, foi formado sob medida para aqueles que queriam fazer o inverso: cerrar fileiras com a oposição.
O resultado dessa explosão de novas legendas, somado ao crescimento de alguns nanicos, resultou no Congresso mais fragmentado da história: 28 partidos elegeram representantes para a Câmara em 2014.
Anos ímpares viraram temporada de criação de novos partidos
Tradicionalmente períodos mais “mornos” para quem gosta de acompanhar a movimentação política, os anos ímpares ganharam um novo atrativo desde 2011. Desde que a regra da fidelidade partidária passou a valer, estes anos viraram a temporada de corrida para a criação de novos partidos. Em 2011, dois novos foram criados: PSD e PPL. Em 2013, outros dois saíram do forno: Pros e SD. A Rede, da ex-ministra Marina Silva, acabou ficando pelo caminho, mas pode ressurgir em 2015.
O motivo para essa corrida ocorrer nestes anos é o prazo para a troca de partido antes das eleições. Pelas regras, só pode se candidatar quem estiver filiado a um partido político devidamente registrado há pelo menos um ano. Portanto, se uma legenda consegue registro a menos de um ano das eleições, seus filiados têm de esperar até a eleição seguinte para participar – foi o que aconteceu, por exemplo, com o PEN, fundado no primeiro semestre de 2012. Como a legislação só protege políticos que trocam de partido até um mês depois de sua fundação, a nova legenda se torna pouco atrativa – o PEN, por exemplo, atraiu apenas dois deputados federais quando fundado.
Fonte: Gazeta do Povo, 19 de Janeiro de 2015.