Nas relações de trabalho, a demissão por justa causa geralmente é amparada por princípios estipulados pelo empregador que não são cumpridos pelo empregado. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estipula em seu artigo 482 doze condutas inadequadas que sustentam uma demissão justificada do ponto de vista legal. Elas vão desde atos de improbidade a faltas frequentes e até a prática constante de jogos de azar. Mas ainda que as empresas recorram a códigos de ética internos para justificar a dispensa de um funcionário, uma demissão por justa causa pode ser revertida pela Justiça. E aí, o que seria punição com riscos à integridade moral vira motivo de indenização.
Foi o que aconteceu recentemente com um ex-funcionário de uma grande loja de departamentos do Sul do País. Demitido sem receber as verbas rescisórias por namorar uma colega de trabalho, ele ajuizou ação pedindo a conversão para rescisão sem justa causa e a indenização, dentre outras verbas trabalhistas. A empresa alegou que o funcionário cometeu falta grave ao descumprir norma de seu código de ética que proibia o envolvimento amoroso entre funcionários, mesmo fora das dependências profissionais.
A juíza de primeiro grau da Unidade Judiciária Avançada de Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis, deu ganho de causa ao trabalhador e fixou o valor da reparação indenizatória em R$ 39 mil. A empresa entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 12ª Região, em Santa Catarina, que manteve a decisão, e finalmente apresentou agravo de instrumento no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Nova e definitiva derrota. A decisão unânime da Segunda Turma do TST em lhe negar provimento e manter a indenização ao ex-funcionário foi dada há duas semanas, repercutindo nacionalmente.
O advogado trabalhista Alberto de Paula Machado, ex-presidente da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e atual conselheiro federal da instituição, explica que os códigos de conduta estabelecidos pelo empregador não são suficientes para ampará-lo em demissões por justa causa. "A Justiça pode entrar no mérito desse código de conduta para saber se ele está em consonância com a CLT e os demais dispositivos legais que se aplicam às relações do trabalho. Por exemplo: pode haver uma norma interna estabelecendo uma regra que viole a dignidade humana ou que seja preconceituosa; essa norma é passível de revisão perante o Poder Judiciário", afirma.
No caso do funcionário demitido pela loja de departamentos, a Justiça considerou inconstitucional o código de ética da empresa, declarando nulo o motivo da dispensa, e levou em consideração o fato dele ter prestado serviços por 25 anos sem ter sofrido uma única advertência ou suspensão. De acordo com assessoria do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o TRT da 12ª Região entendeu ainda que "a despedida por justa causa é medida extrema, prevista na CLT apenas para as hipóteses em que a gravidade do ato faltoso tornar impossível a manutenção do contrato de trabalho, devido à quebra de confiança entre as partes envolvidas." O tribunal também entendeu que não houve mau procedimento por parte do trabalhador demitido, pois ele e a parceira se conheceram no ambiente de trabalho, mas namoraram fora dele.
Postura
Na avaliação da psicóloga e consultora de Recursos Humanos, Kelly Cristina da Silva Cardoso, é plenamente aceitável o envolvimento amoroso entre funcionários de uma mesma empresa desde que o casal saiba manter a postura profissional no ambiente de trabalho. "O ideal é não misturar as coisas, que fique claro que o relacionamento afetivo fica fora da empresa e não interfere na relação profissional do casal. É importante manter uma postura profissional adequada", adverte. E uma maneira de deixar claro que o casal sabe separar as coisas no ambiente de trabalho é evitar dar motivos para que os próprios colegas interpretem a relação de uma forma diferente. "Se por exemplo um colega lhe pergunta algo pessoal sobre seu companheiro ou companheira, peça que pergunte diretamente à pessoa. É comum as pessoas quererem usar de saber que o casal esteve junto. Cabe a cada um manter sua postura", afirma.
Fonte: Folha de Londrina, 31 de março de 2014.