“Escravidão total”. É desta forma que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flórida Paulistadefine como cerca de 200 trabalhadores dos estados do Piauí (a 2,3 mil km de distância) e do Maranhão (a 2,4 mil km) que prestavam serviços para a Usina Companhia Flórida, a antiga Floralco, são tratados. Sem mais terem onde dormir e o que comer, desde quinta-feira (17) os migrantes acampam em frente à empresa à espera dos pagamentos dos salários atrasados, do acerto das rescisões trabalhistas e da viabilização do retorno de todos para os seus respectivos estados. O Ministério Público do Trabalho (MPT) atua no caso.
“A situação está precária. Gravíssima. Eles querem receber e voltar para casa. Hoje [22] mesmo está uma calamidade. Tem 200 trabalhadores acampados, dormindo no chão e não tem água nem para tomar banho. Escravidão total. Alimentação não tem mais, estavam comendo apenas pão seco até hoje de manhã, porque agora não tem mais”, destacou nesta terça-feira (22) a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flórida Paulista, Roseli Carlos de Melo Esposo, ao G1.
A reportagem do G1 conversou com dois trabalhadores que vieram da cidade de Mirador, no Maranhão. Ambos relataram que foram aliciados naquele município por dois homens que prometeram melhores condições de trabalho e salários, porém, a realidade que encontraram no município paulista foi outra.
“Nós trabalhávamos em uma usina em Goiás e lá nos pagavam muito bem. Só que veio esse tal de 'gato' e o 'arapuca', que nos convenceram a vir para São Paulo, onde receberíamos mais. Na primeira quinzena que trabalhamos para a usina, nós recebemos apenas R$ 150. Depois não recebemos mais o combinado e fomos dispensados. Mas agora não nos pagam nada e não levam a gente de volta para casa”, destacou José Ribeiro da Silva, de 53 anos, cortador de cana, ao G1.
“Nós estávamos todos trabalhando quando o 'gato' e o 'arapuca' nos convenceram a mudar com a proposta de que iríamos ganhar bem. O 'gato' até disse que, se a empresa atrasasse o salário, ele acertaria do próprio bolso e pagaria o ônibus para nós voltarmos, mas agora ele está sumido, desapareceu. Eu não tenho condições de voltar por conta própria e minha família está precisando de mim no Maranhão”, completou o também cortador de cana José Filho Brito da Silva, de 34 anos, ao G1.
Banho no igarapé
Outro ponto denunciado pelos trabalhadores é a condição “precária” dos alojamentos disponibilizados para os migrantes. Segundo eles, no local não há água nem zeladores, os sanitários são insuficientes e a alimentação é deficitária.
“A água e a energia elétrica dos alojamentos foram cortadas por falta de pagamento. Estamos tomando banho no igarapé poluído. A empresa fornece 100 pães por dia para mais de 200 trabalhadores. Quando os pães chegam, o povo, que está com muita fome, avança no alimento. Aí alguns comem, mas outros não. De vez em quando, chega frango com arroz, mas o frango é insuficiente e muitos comem arroz puro”, pontuou José Ribeiro da Silva.
Pagamentos
Nesta segunda-feira (21), os trabalhadores acampados em frente à usina tiveram a informação de que os salários atrasos e as rescisões trabalhistas seriam regularizados, assim como de que o retorno para os estados nordestinos seria viabilizado, o que não ocorreu, segundo a presidente do sindicato que representa os trabalhadores.
“Tudo o que está ao nosso alcance estamos fazendo, mas precisamos também da Justiça e do Ministério Público do Trabalho, porque a situação é gravíssima. Os trabalhadores não têm mais nem o que comer. Ninguém pagou nada”, disse Roseli Esposo.
Na tarde desta terça-feira (22), a presidente do sindicato esteve no Ministério Público do Trabalho, em Presidente Prudente, porém, não obteve êxito na visita. “Nos disseram que a procuradora responsável pelo caso estava trabalhando em outra cidade. Nós precisamos de uma solução rápida da Justiça porque o caso é triste”, concluiu Roseli.
MPT
Ao G1, a procuradora Renata Aparecida Crema Botasso, do Ministério Público do Trabalho, explicou que a instituição já realizou audiências com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flórida Paulista, o qual expôs a questão dos atrasos salariais e das rescisões de contrato. Posteriormente, foi feita uma audiência com o procurador jurídico da empresa, o qual assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), comprometendo-se a realizar os pagamentos e a disponibilizar ônibus para que os migrantes retornem aos estados origem.
“Ontem [21] eu recebi a notícia de que isto não foi cumprido. Continuamos adotando medidas administrativas e estamos preparando medidas judiciais. O MPT está ciente das condições dos migrantes e, tão logo haja uma solução, a imprensa será avisada”, explicou Renata Botasso.
Outro lado
O G1 tentou falar com algum representante da Usina Companhia Flórida nesta terça-feira (22), mas foi informado por um segurança de que ninguém, além dele, estava presente na empresa.
Fonte: G1, 23 de março de 2016.