Os moradores do Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, têm mais dificuldade de arrumar emprego por conta de preconceito do mercado de trabalho do que os outras favelas, como Vila Parque da Cidade, na Zona Sul, e Rio das Pedras, na Zona Oeste. O resultado é parte de uma pesquisa feita pelo brasileiro Eric Westphal, de 22 anos, como projeto de conclusão do curso de economia na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo. O estudo foi realizado no período anterior à pacificação da Maré, que ocorreu no dia 30 de março. 

O trabalho do brasileiro, que será apresentado oficialmente no mês de maio, foi indicado pelo departamento de economia de Harvard a um prêmio que vai selecionar as melhores monografias da universidade do ano.

Para a pesquisa, o estudante enviou cerca de mil currículos fictícios para vagas de empregos reais, encontradas em anúncios de classificados entre os meses de outubro e dezembro do ano passado, com nove endereços diferentes. Os dados do candidatos eram os mesmos, só mudava o local onde ele morava. Os resultados foram tabulados a partir dos retornos que o brasileiro recebia, por e-mail, dos empregadores.

Veja ao lado os resultados da pesquisa

Os currículos tinham o mesmo conteúdo e foram enviados apenas uma vez por escolha aleatória. Os bairros se dividiam em favela não pacificada, favela pacificada e bairros não considerados como favelas nas zonas Sul, Oeste e Norte do Rio de Janeiro.

Os "candidatos" da Maré despertaram menos interesse dos empregadores. Só 10,2% dos e-mails com currículos com esse endereço tiveram resposta positiva, com pedidos de entrevista. "Esse efeito foi maior para trabalhos que requerem lidar com dinheiro ou documentos, o que eu interpreto como trabalhos que requerem um maior grau de confiança no empregado. O que resultado sugere que existe um efeito discriminatório", diz Westphal.

O índice de respostas positivas para moradores das outras duas favelas não pacificadas foi maior do que na Maré, sendo 22,5% (Parque da Cidade) e 21,6% (Rio das Pedras). A procura dos bairros da Zona Sul e da Zona Oeste apresentaram a mesma média, com pouca variação estatística (veja todos os números acima).

"As favelas pacificadas se saíram muito bem na amostra em todas as categorias, fora a Maré", afirma o brasileiro. "Não tenho como observar as mudanças antes e depois da pacificação, então essa comparação é especulativa. Mas parece que a pacificação tem efeito muito positivo, está de acordo com uma ideia de uma percepção social melhorada após pacificação." 

Inspiração em Cidade de Deus
O autor da pesquisa nasceu na cidade de Tubarão (SC) e resolveu estudar o tema ao ler um artigo em 2003 que dizia que os moradores de Cidade de Deus sofreram efeito discriminatório do mercado do trabalho, depois do filme de 2002, dirigido por Fernando Meirelles, que ficou conhecido internacionalmente.

O filme mostra cenas de violência no local que ainda não era pacificado – a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) chegou a Cidade de Deus em 2009, foi a segunda a ser implantada no Rio(veja mapa abaixo). "Decidi investigar se há existência de um efeito discriminatório contra moradores de favelas pelo simples fato do seu local de residência, e testar o que dizia o artigo da Cidade de Deus em maior escala", diz Westphal que só foi ao Rio uma vez.

O brasileiro mora nos Estados Unidos desde os 11 anos, quando ele e os pais deixaram a cidade catarinense, depois que o negócio da família não ia bem. Nos Estados Unidos o pai trabalhou instalando TVs a cabo e a mãe era faxineira. Ambos voltaram para o Brasil em 2010.

Durante o ensino médio, Westphal chegou a trabalhar em um supermercado brasileiro, mas seu foco sempre foi os estudos. Na época da faculdade, foi aceito por Harvard e outras 10 universidades americanas. Optou por Harvard, onde estuda com bolsa integral – inclui despesas de mensalidade, hospedagem e alimentação. Agora ele pretende fazer pós graduação na área de economia e negócios.

Fonte: G1, 10 de abril de 2014.