Há três anos e quatro meses, a cambeense Aline Soares, de 30 anos, diz ter encontrado o local ideal para trabalhar. A assistente de recursos humanos da Sandoz, na cidade natal dela, vive uma rotina que muitas pessoas com deficiência (PcD) não tiveram a sorte de encontrar. Ela tem necessidades especiais e diz que conta com o respeito dos companheiros de trabalho para desenvolver suas atividades no dia a dia. E que o preconceito passa longe da rotina.
"Me sinto bem desde o começo. A nossa equipe de trabalho é muito divertida. Conversamos bastante com todos, fazemos churrasco, está todo mundo junto. E ninguém tem preconceito. Nunca pensaram: ‘a Aline é deficiente, vamos ajudá-la’. Sempre fui tratada de igual para igual, sem diferenças", relata. Mas o fato é que Aline é uma exceção entre as pessoas com deficiência que estão no mercado de trabalho.
Uma pesquisa realizada pela consultoria de engajamento Santo Caos, de São Paulo, confirma esse cenário. Segundo o estudo, intitulado "PcD S/A", 44,7% das PcD realizam atividades ocupacionais, mas apenas 1,8% têm registro no Ministério do Trabalho. Outro dado do estudo é que dois em cada três pessoas com deficiência ainda sofrem com a rejeição dos companheiros de trabalho.
Apesar de não conviver com o problema, Aline sabe que o preconceito ainda está bastante presente nas empresas. Integrante da União dos Deficientes Físicos (Unidef) de Cambé, a assistente de RH aponta que a discriminação muitas vezes é visível na parte estrutural das empresas, que resistem em adaptar as instalações para receber as PcD. "Infelizmente ainda existe o preconceito contra algumas deficiências. A empresa fica com o pé atrás, principalmente com o cadeirante e o surdo-mudo, porque tem que ter alguém que fala Libras, tem que ter o elevador específico. Eles querem o deficiente perfeito e a gente fica triste por isso. Querem escolher a deficiência", reclama.
Aline nasceu com ausência congênita de pés e usa próteses nas duas pernas. Com elas, a locomoção é praticamente normal. E a boa estrutura do ambiente de trabalho também facilita. "Aqui nunca tive problema. Até se tivéssemos empregados cadeirantes, não teria problemas, pois a estrutura é bem adaptada. Com o deficiente visual também. Mas se fosse uma empresa de porte menor teria que se adaptar, colocar o elevador. E muitas preferem não contratar naquele momento a ter de adaptar", observa ela, que vai para o trabalho todos os dias dirigindo carro próprio e atualmente cursa Administração de Empresas.
A Sandoz conta com um programa específico de integração, que facilita a adaptação da pessoa com deficiência ao ambiente. A ideia, segundo o gerente de recursos humanos Thiago Assad, é compreender as necessidades específicas a fim de adaptar a estrutura de trabalho aos novos funcionários. "A gente procura facilitar as instalações, tirar as barreiras para que eles consigam performar de igual para igual com qualquer outra pessoa. Precisamos integrar e fazer com que as pessoas tenham oportunidades", frisa.
"Essa política visa refletir a sociedade em que a gente vive também dentro da empresa. Temos um comitê de diversidades, em que todas as empresas do grupo participam e a gente discute ações para incluir grupos, como gêneros, gerações, e deficientes", complementa o gerente.
Ao todo, a farmacêutica conta com 16 funcionários com deficiências na unidade de Cambé, onde trabalham atualmente cerca de 400 colaboradores. E o número de PcD na empresa pode aumentar, já que a multinacional planeja a implantação de um programa de estágio para deficientes, que terá como objetivo propiciar formação específica a eles desde a admissão.
Para o Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Londrina, a inclusão nas empresas avançou nos últimos anos, mas o preconceito contra as pessoas com necessidades especiais ainda é bastante comum no ambiente de trabalho. "Dia desses visitei uma empresa e na hora do intervalo estavam os deficientes de um lado e as outras pessoas do outro. Então por aí a gente já sente que o preconceito está bem presente ainda", conta a presidente Rita de Cássia Lopes.
Ela frisa que a luta contra o preconceito é constante e que só a união de forças poderá dissipar o problema. "Precisamos discutir melhor essas questões. Chamar os órgãos envolvidos para que se faça uma conscientização. Eles são pessoas como quaisquer outras, muitas estão preparadas para desenvolver e exercer cargos importantes", argumenta.
Para resguardar acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, o governo brasileiro criou em 1991 a Lei de Cotas. A legislação estabelece que empresas com cem ou mais funcionários são obrigadas a preencher de 1% a 5% dos postos de trabalho com colaboradores com deficiência.
Fonte: Folha de Londrina, 25 de abril de 2016.