O Ministério Público do Trabalho (MPT) registra média de três processos por dia, no estado de São Paulo, para investigar empresas onde trabalhadores foram afastados em virtude de acidentes ou doenças ligadas às atividades. As estatísticas de 2015 obtidas pelo G1, por meio das procuradorias paulistas, se refletem no calvário de famílias à espera de indenizações e despesas extras pagas pela União por causa da negligência de parte dos empregadores.
Entre os 1,1 mil procedimentos instaurados contra companhias públicas e privadas no ano passado, o MPT somou 1 mil na Grande São Paulo e Baixada Santista; enquanto os demais foram abertos no interior. O total é o dobro do contabilizado durante 2013.

Na região de Campinas tramitam as maiores ações ajuizadas no estado até abril. Elas foram propostas em 2012 pelo procurador do trabalho Sílvio Beltramelli Neto e cobram R$ 30 milhões para compensar danos sofridos por 6,4 mil funcionários da Pirelli (fabricante de pneus em Campinas), AmstedMaxion (companhia de Hortolândia especializada em fundição e equipamentos ferroviários), e da Eaton - Divisão Transmissões (produz peças mecânicas para veículos, em Valinhos).
De acordo com o MPT, cada processo leva média de cinco a dez anos para ser julgado, em virtude do tempo para análise de todos os recursos disponíveis. Com isso, explica Beltramelli Neto, professor de Direitos Humanos pela PUC-Campinas, o órgão busca acordos para tentar minimizar o drama das vítimas e obrigar os empregadores a fazerem correções e melhorias.

Na avaliação dele, a criação de medidas que preservam a saúde e segurança dos trabalhadores ajudam as companhias a manterem produtividade, além de evitar mais problemas e falhas.

"O MPT sempre privilegia a solução que parta do próprio investigado, caso ele conclua que existe irregularidade. Por muitas vezes, ele se propõe a realizar as adequações espontaneamente e você não precisa da ação. O absenteísmo também gera agravo econômico ao empregador. Ou ele sobrecarrega quem fica e essa pessoa vai adoecer em algum momento, ou precisa contratar para substituir", explica Beltramelli Neto.
Ele ressalta que as indenizações pleiteadas em ações do MPT, quando comprovado dano moral coletivo, visam não somente garantir reparação às vítimas, mas exercer as funções repressiva (muda conduta da empresa), pedagógica (cobrança financeira) e inibitória (evitar reincidência).
"Quando a empresa ou empregador deliberadamente não toma as medidas que têm de tomar para proteger o trabalhador, de alguma maneira ele está frustrando toda essa expectativa social de que ele cumpra uma obrigação inerente ao ambiente de trabalho", destaca.

Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), o estado de São Paulo registrou 690 mortes decorrentes do trabalho em 2014, entre elas, 115 na capital paulista e 14 em Campinas. O total indica redução de 5,8% em relação aos números de 2013. Em todo país foram 2,7 mil - queda de 2% no período.

A procuradoria do MPT em Campinas informou, por meio de assessoria, que o sistema de dados da instituição não permite saber quantos dos processos abertos pela instituição foram concluídos durante 2015; e qual o valor total revertido aos trabalhadores, seja por meio de decisões ou termos de ajustamento de conduta (TACs) - acordos em que empregadores se comprometem a fazer melhorias e podem pagar multa.

Na maioria dos casos, as indenizações são revertidas pelo  ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - ligado ao MTPS e criado para custear seguro-desemprego, abonos salariais e programas de desenvolvimento. As contribuições do PIS/Pasep são as principais fontes de recursos.
Inemilson Santana Lima, 51 anos, deixou Piritiba (BA) em 1991, região da Chapada Diamantina, para acompanhar um dos dez irmãos no famigerado propósito de construir uma "vida melhor". Deixou o resto da família para trás e decidiu, por acaso, arriscar-se na carpintaria em Campinas.

Ele diz que aprendeu o ofício por causa das ausências de colegas na labuta, embora tenha sido contratado para ser ajudante numa empresa de construção civil. Com retórica que mistura arrependimento e inconformismo, Lima relembra o acidente em que perdeu o braço esquerdo, sofreu queimaduras no rosto e lhe obrigou a descobrir novos significados sobre autoestima.

"Quando a minha esposa chegou ao hospital, eu perguntei se ela me aceitaria do jeito que eu estava. Ela virou e me disse que a vida continuava... Você sai de casa sadio, feliz da vida e acorda daquele jeito, todo arrebentado e ensanguentado", lamenta. Lima levou uma descarga elétrica quando trabalhava na reforma de um imóvel, no Centro, onde há uma agência bancária.
O carpinteiro admite que não usava equipamentos de proteção, e tampouco os itens teriam sido exigidos pelas empresas que lhe pagariam pelo serviço executado no dia em que planejava folga. À época, Lima preferiu adiar o descanso para ganhar R$ 50 a mais e "tentar um agrado" para a mulher.

"Eu tive de fazer sete enxertos de pele, três deles no rosto e quatro no peito. Depois eu tive que voltar ao Hospital Mário Gatti porque o ferimento não estava cicatrizando e foi necessário cortar mais um pedaço do braço. Uma tortura", reforça com mãos ao rosto.

Enquanto caminha pelo Largo do Pará, no Centro de Campinas, o carpinteiro diz que costuma ver pelas ruas da cidade inúmeras situações em que trabalhadores são expostos a riscos. "É erro do próprio funcionário não exigir segurança. As empresas não entregam os equipamentos e ele fica com receio de falar, ser criticado e mandado embora na sequência", pondera Lima.

À espera de um desfecho no processo que tramita desde 2003 para pedir indenização pelos danos sofridos, Lima dedica o tempo livre em manutenções para vizinhos no distrito do Ouro Verde. Orgulha-se dos calos na mão direita, como provas de superação durante a trajetória.

"Para não ficar pensando bobagem, eu ajudo as pessoas do meu bairro, faço pequenos serviços de pedreiro. Aí dá para ganhar R$ 20, R$ 50... É uma tristeza esperar essa decisão da justiça", conta ao adiantar que planeja usar o dinheiro para custear as faculdades dos dois filhos. Atualmente ele diz se manter com cerca de R$ 750 pagos pela Previdência Social.

"Já tive dificuldades com falta de comida, corte de energia e água. Hoje, ela [mulher] trabalha e eu fico em casa, já que não consigo emprego", lamenta ao ressaltar que sonhava em voltar à Bahia.

Às 14h de uma sexta-feira marcada por tarefas de rotina, Fabiana Candida, 40 anos, ajeitava-se na poltrona azul do ônibus que percorre a linha 317 de Campinas. Sentiu-se com sorte por achar um lugar vago durante a viagem do bairro Botafogo ao lar, na região do Jardim São Marcos. Vive atualmente com dois cachorros, Belinha e Leleco - este, batizado em homenagem ao personagem interpretado pelo ator Marcos Caruso na novela Avenida Brasil, da TV Globo.

No assento à frente, reparou em uma pichação provocativa. Tanto que usou o celular para fotografar os rabiscos: "É insônia ou saudade?". Naquele momento, ela estava há pelo menos 30 horas sem dormir e acabara de deixar a clínica onde busca auxílio para superar a depressão. Além disso, experimenta o vazio deixado pela morte da mãe há sete meses, vítima de câncer.

Entre estes dois momentos, Fabiana contou à reportagem que luta contra a doença há seis anos e que ela foi agravada durante período de trabalho em um call center instalado no município. À época, recebia somente um salário mínimo para bater metas de atendimento e suportar bem mais que desaforos de eventuais clientes insatisfeitos com a empresa onde estava.

"Chegaram a ligar na minha casa para gritarem comigo. Fazia uma série de tarefas com muita pressão. Era ridículo, surreal, absurdo. Isso com todos, comigo não era diferenciado", critica.

Durante cinco anos na empresa, Fabiana teve dois afastamentos, que somaram 90 dias. Sem perspectiva de melhorias, saiu da companhia e conseguiu um acordo para receber o valor da rescisão contratual.

Quando esmiúça a memória, trata com indignação a humilhação sofrida. "A médica de lá [call center] ia ao ambulatório e me receitava remédio para tomar e eu continuar lá trabalhando. Quando comecei tratamento psiquiátrico, eu tomava nove comprimidos durante o dia e 11 para dormir", conta.

Em 2014, Fabiana foi contratada para trabalhar como operadora de caixa em um mercado na Avenida das Amoreiras, uma das mais movimentadas da cidade. O sorriso de alívio pela mudança, porém, foi substituído pelo olhar que denuncia um novo desafio: a luta contra o câncer.

"É um tumor de nove centímetros no ovário, é um pouco grande e estou me preparando para a cirurgia, fazendo exames. Ficar sem dormir causa falta de atenção, esquecimento, risco de ser atropelada na rua, cérebro parece que liga e desliga... Às vezes acelera coração", lamenta. O sono daquele dia foi perdido e Fabiana só fechou os olhos às 3h de sábado. "Demorou muito."

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), jurisdição com sede em Campinas responsável por atender 599 dos 645 municípios paulistas, informou que o julgamento de uma ação em 1ª instância demorava dois anos para conclusão (logo, desconsiderando-se recursos) à época em que os autos tramitavam somente em papel. Após incorporar o sistema eletrônico, em meados de 2014, o tempo necessário foi reduzido para aproximadamente sete meses.

A assessoria do órgão explicou que os códigos sobre solicitações envolvendo acidentes e doenças decorrentes do trabalho foram apresentados 14,8 mil vezes entre os 280,8 mil processos solucionados durante o ano passado, em 1ª instância. Este é um indicador sobre o problema na região, uma vez que parte dos procedimentos pode incluir mais de um código. Com isso, não é possível verificar quantos autos, efetivamente, tratam sobre os temas abordados.

De acordo com o MTPS, houve 239,2 mil acidentes de trabalho no estado de São Paulo durante 2014, entre eles, 62 mil na capital paulista e 6,1 mil em Campinas. Deste total de casos nos municípios paulistas, 5,1 mil foram classificados como doenças decorrentes das atividades.

O diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da pasta, Marco Pérez, avalia que os números são preocupantes, embora mencione "tendência significativa" de queda nos próximos anos.

Para tanto, ele lembrou que os indicadores do estado são inferiores aos contabilizados em 2013 - quando foram 251,7 mil acidentes - entre eles 6,5 mil registros de doença.

"É animador e preocupante ao mesmo tempo [...] Os números são melhores do que em alguns anos atrás", ressalta o médico. Ele sustenta a perspectiva ao citar que ocorreram mudanças no perfil de vínculos - exemplificada sobretudo pela alta na concentração de mão de obra no setor terciário (comércio e serviços).

"Estas são áreas que tradicionalmente têm menor risco de acidentes. Além disso, empregados deixaram de ocupar postos agora automatizados onde antes eram expostos aos riscos", avalia. A pesquisa realizada anualmente pelo MTPS inclui somente registros formais de trabalho.

Pérez admitiu, contudo, que a redução de acidentes subnotificados e casos que deveriam ter emissão de CAT pelas companhias ao INSS (comunicado) são desafios que permanecem na pauta da Previdência.

Entre os fatores que contribuem para a situação, de acordo com o médico, estão as terceirizações e alta rotatividade em alguns segmentos. "O trabalhador acaba sendo demitido antes de registrar a doença por causa do acidente, ou isso ocorre quando começa a adoecer [...] Isso dilui estatísticas em algumas áreas."

Em 2014, de acordo com a União, houve 31,9 mil ocorrências sem emissão de CAT no estado - redução de 14,3% comparando-se a 2013. O documento permite que o trabalhador tenha direito ao auxílio-doença acidentário, em vez do auxílio-doença comum. Entre as vantagens estão a estabilidade no emprego por um ano, após alta, e depósito do FGTS durante afastamento.

O médico defendeu que o governo tem buscado providências para reduzir as subnotificações e obrigar as empresas a promoverem melhorias na segurança. Ele citou o Fator Acidentário de Prevenção - alvo de polêmicas por causa da cobrança de alíquotas das empresas -; e o Nexo Técnico Epidemiológico - há parâmetros entre a saúde do trabalhador e atividade exercida.

Segundo Pérez, a redução dos indicadores depende de diálogo sobre o problema, sobretudo em setores onde os afastamentos ocorrem por tempo prolongado; e nas áreas onde há mais riscos. "É fundamental em nosso país aprimorarmos a democracia no ambiente de trabalho", ressalta.

Para o procurador do trabalho Sílvio Beltramelli Neto, as empresas precisam estar abertas à necessidade de apoio técnico para melhorarem os resultados nas próximas pesquisas.

"A saúde e segurança do trabalhador é uma questão cultural. O empregador tem que entender que aquilo é tão ou mais importante do que as obrigações trabalhistas que está acostumado a lidar como pagamento de salário, controle de jornada, concessão de férias, 13º. Essa questão me parece a grande chave que precisa virar, para tornar a preocupação generalizada", enfatiza.

Segundo o MTPS, as principais causas de afastamento ligadas ao trabalho em 2014 foram por causa de fraturas ao nível do punho e mãos, dorsalgia (dor nas costas) e fratura da perna.

Outro estudo do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional, com dados de 2013, indica que 78% das 91,5 mil mulheres contempladas com auxílio-doença acidentário foram diagnosticadas com problemas no sistema nervoso ou osteomuscular. Já entre os homens, diz a pesquisa, 70% dos 213,4 mil cidadãos amparados pelo INSS tiveram algum traumatismo.

O professor Sérgio Roberto de Lucca, coordenador da área da saúde do trabalhador no Departamento de Saúde Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, diz que mulheres são mais acometidas por transtornos mentais e doenças osteomusculares (Ler/Dort).

"Elas são predominantes em setores de maior exposição a movimentos repetitivos. No caso dos transtornos mentais, há maior predominância nos setores da saúde e educação, tornando-as mais vulneráveis à síndrome de Burnout e depressão", explica.

Para o docente, as empresas passaram a cobrar dos empregados metas cada vez mais intangíveis com o advento da globalização. "Não há mais tempo livre porque as novas tecnologias possibilitaram o controle virtual e envio de ordens de trabalho, inclusive nos fins de semana. Em um cenário de crise econômica local e mundial, o desemprego ou medo de perder o emprego contribui para o desencadeamento dos transtornos mentais", destaca Lucca.

Outro problema mencionado por ele é a ausência de recursos aplicados pelas empresas em ergonomia (estudo das relações entre trabalhador e ambiente onde exerce atividades), embora a norma tenha sido criada na década de 1990. Além disso, ele avalia que mudanças urgentes na organização do trabalho são mais preocupantes, do que outras condições importantes.
 
"Fatores psicossociais emergentes são apontados como principal causa no desencadeamento de estresse ocupacional e sofrimento. Eles se manifestam através de absentismo, presenteísmo [trabalhar doente] e, por consequência, afetam a empresa", pondera o médico.

 concessão do auxílio-doença acidentário no país cresceu quase 88% em dez anos e chegou a 312,7 mil em dezembro de 2014, de acordo com estatísticas do MTPS. Ao todo, R$ 2,4 bilhões foram gastos pelo governo federal com este tipo de recurso naquele ano. Considerando-se todos os benefícios acidentários previstos em lei, incluindo aposentadorias por invalidez e pensões por morte, o valor total foi de R$ 9,5 bilhões. O levantamento foi divulgado em 28 de abril pela União.

Pérez avalia que a concessão subiu em virtude da expansão na cobertura previdenciária (formalização de assalariados) e defende que grande parte das despesas é compensada pela alta na arrecadação do Seguro contra Acidentes de Trabalho (SAT). Ele salienta ainda que o perfil de acidentes e doenças do trabalho mudou e atualmente há afastamentos mais prolongados.

De 2007 a 2014, o número de trabalhadores formais subiu de 37,6 milhões para 49,5 milhões. "Os benefícios são, constitucionalmente, obrigação do empregador e a diminuição dessas despesas dependem de melhorias nos processos de produção e organização", salienta Pérez.

Entre as outras despesas relevantes na folha da Previdência Social estão as pensões por morte e as aposentadorias por invalidez - neste caso, um indicativo sobre a mão de obra desperdiçada e indisponível no país. Juntas, elas representaram gasto de aproximadamente R$ 4,4 bilhões em 2014, total que representa alta de 8,62% sobre os R$ 4 bilhões contabilizados no ano anterior.

Para casos onde há suspeita de negligência ou irregularidades em companhias responsáveis por acidentes ou adoecimento de trabalhadores - beneficiários do INSS - a Advocacia-Geral da União tem investido na ampliação de ações regressivas para tentar reaver parte do montante gasto. A medida foi criada na década de 1990, mas ganhou força somente a partir de 2007.

O coordenador-geral de cobrança e recuperação de créditos, Nícolas Calheiros de Lima, afirma que o governo federal ajuizou média de 400 ações nos últimos quatro anos, com expectativa de obter ressarcimento estimado em R$ 313,2 milhões. Segundo ele, a AGU tem registrado índice de 70% na procedência de procedimentos instaurados pelos procuradores em todo país.

"O acidente acontece por descaso. De certa forma são previsíveis, eles não são aleatórios. O argumento mais comum é de culpa exclusiva da vítima pelo empregador. Em alguns casos, é comprovada culpa concorrente, apesar da negligência, daí o ressarcimento é de 50%", explica.

No ano passado, a União recebeu R$ 6 milhões, quase um terço dos R$ 16,9 milhões registrados na série histórica.

Além de evitar que a sociedade tenha de arcar com despesas geradas por falhas e negligências de empregadores, a medida, lembrou Lima, tem caráter pedagógico para demonstrar às companhias a importância de investimentos em segurança e saúde.

A partir deste mês, segundo ele, começam as atividades do Grupo de Atuação Especial em Matéria de Ações Regressivas (Gaer), criado por meio de cooperação técnica com o MPT. Formada por dez procuradores de todo país, falou o coordenador-geral, a equipe deve elevar as fiscalizações.

"Devemos ter condições de dobrar o número de ações e trabalhar de forma mais efetiva, priorizando as ações coletivas com 300, 400 assegurados. Isso reduzirá custos públicos."

A AGU ajuizou a maior ação regressiva da história em novembro de 2015, segundo o governo federal, para pleitear R$ 3,6 milhões de um frigorífico instalado na região Sul. O valor equivale ao total gasto com 497 benefícios concedidos pela Previdência para trabalhadores que alegaram ter desenvolvido doenças causadas por falhas em procedimentos mantidos pela empresa.

"Eu preferia não receber nada e ter condições de trabalhar". O discurso firme do químico Antonio de Marco Rasteiro, 68 anos, serve de contraponto para a saúde abalada nos anos de serviço: tireoide atrofiada, hipertensão, perda auditiva, lapso de memória e dificuldades de coordenação.

Ele é um dos 1 mil trabalhadores que alegam ter sido contaminados entre 1974 e 2002 por substâncias tóxicas na fábrica de pesticidas que pertenceu à Shell e à Basf, em Paulínia (SP)

Um dos casos mais emblemáticos da última década, ele foi encerrado após ação coletiva julgada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em abril de 2013. Na ocasião, ficou acertado que as multinacionais deveriam pagar R$ 400 milhões em indenizações - metade desta quantia destinada para instituições que investem em pesquisas ou projetos na área da saúde e trabalho.

"O dinheiro será para tentar viver um pouco mais, e cuidar da saúde da minha esposa. Por mês eu gasto R$ 1 mil com medicamentos", conta o líder de produção da Shell de 1977 a 1998.

Diretor do longa-metragem "O lucro acima da vida", inspirado no caso histórico, o cineasta Nic Nilson demonstra solidariedade ao lembrar das histórias que ouviu durante a produção. "Eu sempre fico pensando. Ninguém queria receber um cheque, por maior que fosse. Todo mundo queria a vida", enfatiza. Segundo ele, o filme já foi exibido em países como Bolívia e Espanha.

Funcionário da Basf por 16 anos, Ricardo Gonçalves, 53, afirma que foi acometido por síndrome nefrótica (eliminação inadequada de grandes quantidades de proteína na urina pelos rins), por causa do contato com solventes; e ainda houve agravamento da artrose (desgaste que altera a cartilagem das articulações). À época, ele trabalhava como operador de processo químico.

O plano de saúde firmado no TST é muito superior ao que a gente tinha. O que nos resta agora é cuidar da saúde e a luta de todo dia, para que isso não ocorra em outras empresas", destaca ao mencionar que precisa repetir exames de raio-X e hemograma a cada dois meses.

A Shell informou, em nota, que cumpre integralmente o acordo firmado com os ex-trabalhadores da fábrica; enquanto a Basf se manifestou de forma idêntica e reforçou o "compromisso de posicionar-se com transparência e integridade em todos os aspectos relacionados" ao assunto.

Parte da verba indenizatória será repassada pelo MPT para instituições como o Centro Infantil Boldrini, referência no tratamento de crianças com câncer; e ao projeto de Centro de Diagnóstico do Hospital de Câncer de Barretos, em Campinas, que deve ser construído até o próximo ano.

Fonte: G1, 11 de maio de 2016.