Durante os cinco anos em que trabalhou na coordenação de uma faculdade de direito, o professor F.V. não teve apenas que “engolir sapos” de seu superior. Nesse período, em que foi tratado aos berros, sua mulher perdeu dois bebês por aborto espontâneo — e ele ainda foi impedido de acompanhar de perto a terceira gravidez.
— Ele tinha uma tendência a gerenciar por meio da força e do terror.
A história de F., que prefere não se identificar, é o retrato de um problema cada vez mais denunciado no Brasil: o bullying — violência psicológica ou física intencional — no ambiente de trabalho.
— [Meu ex-chefe] fazia questão de deixar claro que todas as suas relações eram baseadas na hierarquia. (...) Quando desenvolvíamos trabalhos, ele sempre criticava por que a autoria não era dele. Mandava, então, que refizéssemos tudo, só para se colocar como autor.
A professora Sonia Mascaro Nascimento, mestre e doutora em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP, explica que “bullying e assédio moral são basicamente a mesma coisa, e ambos têm por finalidade a conduta de humilhação, perseguição, menosprezo e isolamento”.
No caso de F., a humilhação de cinco anos roubos momentos preciosos de sua vida. Durante esse período, sua mulher perdeu dois bebês por aborto espontâneo, mas, quando engravidou pela terceira vez, conseguiu levar a gestação até o final. Só que, por causa da pressão que sofria no trabalho, o professor não conseguiu acompanhar a esposa em momentos cruciais da gravidez.
F. conta que, no dia da última ultrassonografia, que determinaria a data de nascimento da criança, ele acabou “preso” no emprego por determinação de seu superior.
— Avisei-o com duas semanas de antecedência. No dia anterior, ele me avisou que o MEC visitaria a faculdade, e que teríamos de verificar alguns materiais. Trabalhei de manhã e de tarde e, na manhã seguinte, entreguei tudo. Foi quando ele voltou da diretoria aos berros dizendo que eu não tinha feito direito, chamou outros professores, ficou desesperado. Disse que não estava entendendo por que eu estava tão nervoso. Falei da importância do meu momento pessoal, que minha esposa estava esperando, e ele passou a mão na minha mão e disse com ironia: “Ah, meu bem, se está nervoso, pode ir, pode ir”. Dei um murro na parede para não bater nele.
Denúncias explodem
O caso do professor, no entanto, não entrou para a estatística oficial: F. preferiu não processar a instituição nem seu superior por “medo de fechar as portas”.
Mas, diferente dele, muita gente tem escolhido o caminho da denúncia. Um levantamento no TRT da 2ª Região, em São Paulo, apontou que, em 2001, foram registradas 223 ocorrências desse tipo. Dez anos depois, este número subiu para 5.890 — crescimento de mais de 2.500%.
Segundo Sonia, é quase certa a vitória do funcionário em um caso como esse.
Ela conta que já atendeu uma professora escolar que foi sendo isolada aos poucos, perdendo atribuições e, por fim, acabou sendo instalada em uma sala vazia, onde só havia sua mesa e sua cadeira. Houve também o caso de um gerente que dava castigos humilhantes a quem não atingia os resultados estipulados.
— Ele mandava dançar a música da boquinha na garrafa na frente dos outros funcionários.
Como provar o bullying?
O primeiro passo para vencer um processo desses é reunir as provas do assédio. São admitidos e-mails, bilhetes, vídeos e áudios.
Fora isso, há ainda a prova pericial, que pode mostrar, se for o caso, como o funcionário sofre de doença psicológica, como depressão ou síndrome do pânico.
Além disso, para que uma conduta seja considerada inadequada e enquadrada nesta definição, a advogada explica que ela deve ser prolongada e repetitiva.
— É preciso observar as consequências que aquilo traz à pessoa assediada moralmente. Dependendo do que ela passa, não é preciso muito tempo para que a humilhação se caracterize.
A lei em si não traz uma especificação sobre prazos, mas, em média, os juízes costumam entender que a humilhação durante seis meses já pode ser caracterizada como bullying.
Caso o funcionário decida entrar com a ação, é importante saber que a responsabilidade criminal do assédio recai sobre a pessoa física que o praticou, que pode, inclusive, ser dispensada por justa causa. Já a responsabilidade civil é sobre a empresa, que pode processar o empregado que praticou o bullying.
Esses casos são mais comuns do que se imagina. No início de abril, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou o banco HSBC em um processo por assédio moral contra uma funcionária. Depois de alegar que era constantemente submetida a metas abusivas, cobranças exageradas, perseguição do superior e isolamento, ficou determinado que ela receberá R$ 10 mil da instituição.
“As maiores indenizações são as que envolvem assédio moral coletivo”, explica Sonia.
— Quando o assédio é individual, normalmente o valor a ser pago se baseia no salário do empregado, no tempo de casa e no tempo de exposição à agressão. Em média, pode variar entre R$ 10 mil e R$ 100 mil.
Fonte: R7, 22 de abril de 2014.