Ao contrário do que muita gente acredita, portadores de algumas síndromes e deficiências são espertos, desenvoltos, têm habilidades impressionantes e chamam a atenção pelo carisma. Mesmo assim, enfrentam grande dificuldade de conquistar espaço no mercado de trabalho. Embora tenham garantido por lei o direito de trabalhar, a contratação desse tipo de mão de obra ainda é tímida no Brasil.
Desde 1991, com a criação da Lei Federal 8.213, empresas com 100 ou mais funcionários devem preencher de 2% a 5% de suas vagas com reabilitados do sistema prisional ou pessoas portadoras de deficiências. A legislação, no entanto, não garantiu o acesso de pessoas especiais às vagas de trabalho. Passados mais de 20 anos, ainda hoje muitos contratantes oferecem vagas com pré-requisitos quase impossíveis de serem atendidos por este público, como pós-graduação e três anos de experiência na função.
Como não conseguem mão de obra qualificada, as empresas recorrem a órgãos fiscalizadores e recebem uma certidão negativa de contratação, já que, em tese, nenhum candidato especial qualificado se apresentou para a vaga. Dessa forma, os empregadores ganham mais 60 dias para se adequarem à lei e não são multados. O cumprimento desta norma é fiscalizado pelo Ministério do Trabalho e seu descumprimento está sujeito a penalidades.
As regras para contratação de pessoas com deficiência são as mesmas válidas para qualquer outra, levando-se em conta as habilidades dos trabalhadores e as especificidades da função. Ainda segundo a lei, espera-se do contratante que seja dado o devido respeito ao novo empregado, que as mesmas normas trabalhistas sejam aplicadas, sempre mantendo o profissionalismo e sem qualquer demonstração de preconceito.
De acordo com o técnico de gestão pública do Sistema Nacional do Emprego (Sine) em Londrina, Rogério Santos, a procura por parte das empresas para contratação de pessoas especiais é grande. "Através do Sine, no último ano, foram contratadas 91 pessoas com deficiência. [Entretanto] este número não corresponde à totalidade deste tipo de contratação em na cidade", explica, já que os números correspondem apenas aos dados armazenados no sistema do SINE e outras contratações do gênero não entram na contagem.
Benefício
Segundo a diretora da Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) de Londrina, Daniela Von Stein, apenas dois alunos da associação foram contratados nos últimos dois anos. "As empresas procuram a escola e nós indicamos os mais capacitados para o mercado de trabalho", afirma.
Para ela, um grande empecilho para a inserção de pessoas especiais no mercado de trabalho é o medo de perder o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que assegura à família do portador de necessidades um salário mínimo mensal. Isso porque, uma vez no mercado de trabalho, o beneficiário perde o direito ao benefício.
O BPC faz parte da Política Social de Assistência Social, que integra a Proteção Social Básica no campo do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Está em vigor desde 1988 pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). O benefício paga um salário mínimo àqueles que possuem algum tipo de deficiência, idosos com mais de 65 anos e também aos que não podem participar da vida plena e efetiva na sociedade. Para receber o BPC é preciso comprovar a inaptidão para conseguir o próprio sustento e uma renda mensal familiar que não passe de 25% do salário mínimo vigente.
Segundo Daniela, a estabilidade oferecida pelo benefício faz com que muitos portadores de deficiência acabem ficando fora do mercado, uma vez que esse rendimento contribui financeira e positivamente na vida das famílias.
Iniciativa
Mas enquanto muitos não procuram por trabalho ou dependem da lei para ingressar no mercado, outros vão à luta e conquistam sozinhos seu espaço profissional. É o caso de Gregório Vicentini, de 33 anos, que há 13 anos trabalha como atendente em uma lanchonete de Londrina. Ele é portador da Síndrome de Down (também conhecida como trissomia), que acomete um entre 600 a 800 nascidos por ano, segundo o Ministério da Saúde.
Segundo a proprietária do estabelecimento, Cleizemar Cremasco, de 61 anos, carinhosamente conhecida como dona Nenê, a ideia não partiu dela, e sim, do jovem. "O pai dele era fornecedor de embalagens e ele sempre vinha acompanhar a entrega", recordou. "Eu o levava para conhecer o processo de fabricação dos lanches, e, em uma dessas visitas, Gregório, na época com 20 anos, pediu para trabalhar", contou sorridente.
Fonte: Bonde, 14 de julho de 2016.