Em Uberlândia, são encontrados jovens de 14 a 17 anos exercendo diferentes ocupações no mercado informal, o que contraria a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permite o trabalho a partir dos 16 anos, desde que formalizado e fora de áreas de risco. O cenário local acompanha o nacional. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, o número de adolescentes em atividade aumentou 4,5% em 2014, com relação a 2013. O número de indivíduos entre 15 e 17 anos trabalhando atualmente é de 3.331 milhões, quase três vezes o registrado em 2005, quando era de 1,6 milhão.
Em 30 minutos circulando pelo Centro da cidade, a reportagem do CORREIO de Uberlândia surpreendeu cinco adolescentes atuando de forma irregular. Eles justificam a ocupação como forma de contribuir em casa, com a renda familiar, impactada pela recessão econômica e desemprego dos pais.
Em agosto, foi registrado saldo negativo na geração de emprego pelo terceiro mês consecutivo em Uberlândia, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foram 8 mil desligamentos contra 7,5 mil admissões. O número de vagas fechadas no ano já chega a 2.345.
Marcelo começou a trabalhar aos 16 anos, na área de serviços gerais. “Precisava ajudar minha mãe com as contas e também queria ter minhas coisas sem depender dos meus pais”, disse o jovem. A experiência durou um ano e meio, quando deixou a ocupação por problemas de relacionamento com o chefe. Atualmente, prestes a completar 18 anos, faz bicos para ter algum dinheiro. A reportagem do CORREIO o encontrou enquanto distribuía panfletos no sinaleiro. “Apesar do sol, é tranquilo”, disse o jovem, que está longe da escola desde o início do ano.
Aos 15 anos, Mariana começou a trabalhar como promotora de vendas, para ajudar nas despesas de casa e cuidar da filha, que teve aos 13 anos. Do salário de R$ 1,2 mil, são destinados R$ 300 ao aluguel. “O resto uso para comprar as coisas para minha neném. Assim, não pesa tanto para minha mãe”, disse Mariana, que hoje tem 16 anos. De volta à escola em 2016, depois de dois anos afastada, ela está matriculada no 1º ano do ensino médio, que cursa no período noturno. “Parei de estudar mais por causa da gravidez, mas quero terminar o ensino médio. Agora tenho condições de fazer isso”, disse a adolescente.
Há dois anos e meio, aos 15 anos, Carolina começou a trabalhar como vendedora em uma loja de roupas, sem registro. “Queria ganhar meu dinheiro e meu pai acabou deixando, porque não ia atrapalhar os estudos e poderia eliminar um gasto que ele tinha comigo”, disse a jovem, que completa 18 anos em outubro. Ela trabalhou até o fim do ano passado em meio período, para conciliar com as aulas do ensino médio. No início deste ano, começou a trabalhar em período integral, ganhando um salário-mínimo, de R$ 880. “Estou estudando para fazer o Enem, pois quero cursar Administração”, disse a jovem, que também gere o caixa da loja.
Jovens têm educação comprometida
A recessão econômica, que aumentou o desemprego entre chefes de família com 40 a 59 anos, leva cada vez mais adolescentes a buscarem trabalho para complementação de renda, o que pode piorar a evasão escolar. Em 2015, foi registrado o menor índice de matrículas no ensino médio dos últimos sete anos, segundo censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que indica queda de 2,7% em relação a 2014.
Pedro Henrique Salostino dos Santos, de 16 anos, começou a trabalhar aos 14. Desde então, vendeu picolés, foi ajudante de gesseiro, servente de pedreiro e entregador de farmácia, o que comprometeu os estudos, a ponto de ser reprovado no 9º ano do ensino fundamental. “Como sou novo ainda, é bem difícil arrumar serviço bom, mas preciso trabalhar para ajudar em casa, que minha mãe mantém sozinha, porque meu pai não paga pensão. Também queria ter minhas coisas”, disse Santos.
Com a jornada de trabalho em dois períodos, frequentou a escola até o fim do ano passado. “Mas, tava sempre cansado, porque só folgava no domingo, então não conseguia estudar para prova. Agora, fiz o EJA e, no ano que vem, vou matricular no ensino médio”, disse Santos.
Empregador pode sofrer autuação
A legislação trabalhista permite o trabalho de adolescentes com idade superior aos 16 anos, segundo a advogada trabalhista Michele Alves Coutinho. “Mas, há restrições. O empregado não pode assumir funções de risco ou prejudiciais à saúde, em período noturno e ambientes insalubres”, disse a especialista. Porém não basta que o empregador observe as condições de trabalho, ele deve formalizar o vínculo, para garantir os benefícios trabalhistas e previdenciários.
“O empregador que não segue qualquer um dos critérios está cometendo ilegalidade e, quando fiscalizado pela Justiça do Trabalho ou Ministério do Trabalho e Emprego, pode ser autuado, multado, sofrer sindicância ou abrir termos de compromisso de ajustamento de conduta, além de ter problema com outros órgãos fiscalizadores, sofrendo sanções administrativas, sendo notificado pela Receita Federal e tendo certidão negativa perante os órgãos”, disse Michele Coutinho.
A legislação também permite que jovens com idade entre 14 e 24 anos trabalhem como menores aprendizes, desde que matriculados no ensino regular ou em cursos de aprendizagem. Everton Franklin da Silva, por exemplo, ingressou no programa Jovem Aprendiz da CDL em março, aos 17 anos. “Sou de Itumbiara (GO) e vim para Uberlândia fazer faculdade de Publicidade, já sabendo que teria que trabalhar para me manter. Foi o programa que me manteve no curso, já que não consegui outro trabalho por não ter 18 anos”, disse Silva, que trabalha na Rádio Vitoriosa.
Emprego traz benefícios e prejuízos
O ingresso de jovens com menos de 18 anos no mercado de trabalho traz implicações para seu desenvolvimento, positivas ou negativas, a depender da forma como a inserção é feita, segundo a psicopedagoga Maria Irene Miranda. “Os motivos que levam o adolescente a trabalhar vão desde o desejo do próprio adolescente por autonomia até a necessidade de complementar a renda familiar e quase sempre determinam a forma como ingressam no mercado. Não consideramos negativo quando o adolescente tem a iniciativa de procurar trabalho e negocia as condições com os pais”, disse a especialista.
Como espaço de aprendizagem, o trabalho prepara o jovem para a compreensão do contexto de trabalho e das relações humanas no ambiente para lidar com conflitos e jogos de interesses. “É um momento de afirmação da personalidade e o jovem vai enfrentar situação reais importantes para a formação humana”, afirmou a psicopedagoga.
O prejuízo ocorre quando a inserção do jovem no mercado se dá em detrimento de outros processos. “Ficar privado ou ter a educação comprometida é grave neste momento, quando o estudante se prepara para as escolhas profissionais”, disse Maria Irene. Ainda segundo a psicopedagoga, nessas condições, o emprego quase nunca oferece oportunidades de crescimento. “Se tem necessidade, o indivíduo se submete a situações que não exigem nem proporcionam qualificação”, afirmou.
Fonte: Correio de Uberlândia, 26 de setembro de 2016.