No trabalho, fazer xixi sempre foi uma atividade segregada. No passado, os diretores se aliviavam em locais diferentes, mais refinados, do que os usados pelos trabalhadores comuns. Mais tarde, quando as hierarquias saíram de moda, o banheiro executivo foi abolido em nome da igualdade, e presidentesexecutivos passaram a ter de urinar lado a lado com os subordinados mais humildes. No entanto, a segregação entre homens e mulheres nos lavatórios perdurou. Em lares, em aviões e em trens, os dois sexos dividem alegremente os mesmos toaletes, mas no trabalho isso continua a não acontecer.
Essa segregação vem sendo ameaçada pela ascensão dos sanitários sem sexo definido. Desta vez, a questão nada tem a ver com a igualdade entre homens e mulheres. Ela surgiu porque, se a pessoa for transgênero, é difícil decidir qual dos dois sanitários deveria usar. Na Califórnia, foi aprovada uma lei este mês decretando que quaisquer banheiros públicos dotados de cabines separadas devem ser considerados unissex. A cadeia de cafés Starbucks está adotando esse tipo de banheiro, e as livrarias Barnes & Noble decidiram encorajar as pessoas a usar o sanitário que preferirem. Na semana passada, no festival anual de autocongratulação da Salesforce, em San Francisco, os banheiros não tinham definição de gênero. Além disso, cada um dos 15 mil participantes recebeu um crachá bonitinho no qual deveria colar um adesivo com seu pronome preferencial: ele, ela, ele/a ou "me pergunte"
Imagino que isso seja uma notícia importante: para onde a Salesforce vai, todos a seguem. Mas banheiros unissex são boa ideia no trabalho? Fazer com que todo mundo urine no mesmo lugar certamente parece sensato. Em média, deixamos n o s s a s c a d e i r a s p a r a i r a o b a n h e i r o t r ê s o u q u a t r o v e z e s p o r d i a, m a s e m l u g a r d e i s s o s e r u m a o p o r t u n i d a d e p a r a n e t w o r k i n g a m p l o e a b e r t o a o a c a s o, n o s l i m i t a m o s a rb i t r a r i a m e n t e a a p e n a s u m a fa t i a d a fo r ç a d e t r a b a l h o. Eu consultei o pessoal do escritório para saber suas opiniões, e desc o b r i q u e a g r a n d e d i v i s ã o n ã o a c o n t e c e p o r s e x o, m a s p o r i d a d e. O p e s s o a l t o d o d a g e r a ç ã o m i l ê n i o d e u d e o m b r o s e d i s s e q u e b a n h e i r o s u n i s s e x n ã o i n c o m o d a m. E l e s p a r e c i a m t ã o d e s p r e o c u p a d o s q u e fi q u e i m e s e n t i n d o l i g e i r a m e n t e e m b a r a ç a d a p o r t e r fe i t o a p e r g u n t a. Já os trabalhadores mais velhos não pareciam tão i n t e r e s s a d o s n a i d e i a. A m a i o r i a d o s h o m e n s d i s s e q u e n ã o a a p r e c i a v a, s e m s a b e r e x a t a m e n t e p o r q u ê. A s m u l h e r e s s e m o s t r a r a m m a i s fr a n c a s. S u a s j u s t i fi c a t i v a s e r a m v a r i a d a s: o s b a n h e i r o s m a s c u l i n o s c h e i r a m m a l. E l a s n ã o q u e r e m a p l i c a r m a q u i a g e m d i a n t e d o s c o l e g a s. O b a n h e i r o fe m i n i n o é o l u g a r p e r fe i t o p a r a c h o r a r. O u p a r a fo fo c a r. O u s e rv e c o m o u m r e fú g i o m u i t o n e c e s s á r i o. Mas nenhuma dessas cinco razões parece conclusiva. Todos os banhe i r o s c h e i r a m m a l, s e n ã o fo r e m l a v a d o s c o m fr e q u ê n c i a, e p o r t a n t o a r e s p o s t a a i s s o é u s a r m a i s d e s i n fe t a n t e. Q u a n t o a m a q u i a g e m, e u a p l i c o a m i n h a d e m a n e i r a t ã o a m a d o r a q u e p r e fi r o q u e n i n g u é m m e v ej a fa z ê l o. S e t i v e s s e e s c o l h a, e u p r e fe r i r i a b a t a l h a r p a r a a p l i c a r u m r í m e l g r u d e n t o d i a n t e d e u m h o m e m d e s i n t e r e s s a d o d o q u e d i a n t e d e u m a m u l h e r q u e p e r c e b e r i a o q u a n t o s o u r u i m n a t a r e fa. Argumento semelh a n t e s e a p l i c a a o c h o r o. É v e r d a d e q u e a s m u l h e r e s c h o r a m m a i s q u e o s h o m e n s, e q u e, j á q u e c h o r a r n a m e s a d e t r a b a l h o n ã o é a c e i t á v e l, tendemos a fazêlo no banheiro. Mas nas poucas vezes em que deixei as lágrimas rolarem no escritório, meu principal objetivo era que ninguém visse. É possível que os homens prestem menos atenção a esse tipo de coisa, e a comentem menos, e por isso ter um deles lavando as mãos ao seu lado enquanto você enxuga os olhos vermelhos diante da pia talvez não seja má ideia. Também é verdade que acontece mais fofoca no banheiro feminino do que no masculino —no qual até onde sei o silêncio costuma prevalecer. Mas o sanitário é um lugar perigoso para papear, não importa o sexo dos envolvidos, porque não há como saber quem pode estar dentro de uma das cabines. Como refúgio, o banheiro do escritório é muito melhor —há momentos em que a privacidade conferida por uma porta trancada de cabine é exatamente aquilo de que uma pessoa precisa. Mas nesses casos, não acho que faça diferença que as pessoas invisíveis nas cabines do banheiro sejam homens ou mulheres. No entanto, existe uma razão melhor para os banheiros segregados. Enquanto metade do mundo da tecnologia estava reunido em San Francisco, eu fui a uma conferência rival de tecnologia na Europa. Já que quase todo mundo que trabalha no setor é homem, nas pausas para o café eu passei por uma experiência estranha. Havia longas filas para o banheiro masculino —e fila nenhuma para o feminino. Enquanto enxugava as mãos, comecei a conversar com as três outras mulheres que estavam no banheiro sobre os motivos para que o número delas fosse tão baixo no setor de tecnologia, e uma ideia me ocorreu: quando as mulheres representam uma minoria tão pequena, ter um banheiro só para elas é uma vantagem que vale a pena manter.
Fonte: Folha S.Paulo, 13 de outubro de 2016.