O trabalho juvenil engloba tanto o infantil, de 5 a 13 anos, quanto o da adolescência, de 14 a 17 anos. Trata-se de uma questão nacional: o Brasil possui cerca de 2,7 milhões de pessoas nessas faixas etárias trabalhando, ou 5% dos jovens. Os dados são referentes a 2015 e foram divulgados em março de 2017 pela Fundação Abrinq, focada na proteção de crianças e adolescentes. No texto para discussão “Três padrões de trabalho juvenil: um estudo com metodologia mista sobre o trabalho em idades inferiores aos 18 anos no Brasil”, o sociólogo Emerson Ferreira da Rocha afirma, no entanto, que é necessário compreender as diferentes maneiras pelas quais esse tipo de trabalho se organiza. Ele argumenta que o trabalho de adolescentes ocorre mesmo em países desenvolvidos. A atividade pode ser, em determinados casos, uma forma legítima de inserção no mercado. Mesmo o trabalho de crianças tem nuances, segundo o sociólogo. Em alguns casos, é resultado da desestruturação familiar. Em outros, ocorre em famílias que mantêm laços de afeto e proteção. Para Rocha, há trabalho juvenil pedagógico, por sacrifício e por desamparo. E isso deveria alterar a forma de abordar o problema com políticas públicas. Rocha é sociólogo atuante na UnB (Universidade de Brasília). Seu artigo foi publicado em abril de 2017 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O pesquisador deixa claro em sua argumentação que o trabalho juvenil tende a ter impacto negativo sobre os estudos e a renda durante a vida adulta, e destaca que não tem como objetivo legitimar a exploração infantil. Ele pondera:

 

“Trata-se de considerar que a prática desse trabalho pode estar inserida em estratégias adaptativas mais sofisticadas, como a de transição relativamente mais rápida para a independência econômica, em casos em que o investimento de longo prazo em altos níveis de escolarização formal é pouco factível”

Impacto do trabalho infantil sobre a escolaridade

No artigo, Rocha busca esclarecer qual é o impacto do trabalho juvenil sobre a escolaridade. Para isso, usa dados de 2008 da pesquisa Aspectos Sociais da Desigualdade do Instituto do Milênio. Ela foi aplicada a uma amostra de 8.048 domicílios do Brasil, e obteve, por exemplo, dados sobre a idade em que os participantes começaram a trabalhar e a sua escolaridade. Com base nessas informações, foram descobertas associações entre trabalhar em tempo integral ou parcial durante a juventude e a probabilidade de finalizar as diferentes faixas de ensino: fundamental 1, fundamental 2, médio e superior. Também se analisou a probabilidade de iniciar um curso universitário. O autor estabelece o quanto o trabalho diminui a probabilidade de terminar várias etapas de ensino em comparação com quem não trabalhou até 18 anos - a situação em que, teoricamente, há condições para se dedicar exclusivamente aos estudos. O custo é especialmente alto para quem trabalhou em tempo integral.

TRABALHO EM TEMPO INTEGRAL NA INFÂNCIA (ATÉ 13 ANOS) DIMINUI

Em 25% as chances de terminar o ensino fundamental 1 Em 66% de terminar o ensino fundamental 2 Em 67% de terminar o ensino médio Em 36% de chegar ao ensino superior.

 

 

TRABALHO EM TEMPO INTEGRAL NA ADOLESCÊNCIA (ENTRE 14 E 17 ANOS)

Diminui em 70% as chances de terminar o ensino fundamental 2 Dados não são conclusivos sobre ensino médio Diminui em 64% as chances de entrar na universidade.

 

Diferenciando as formas de trabalho juvenil

Apesar de a associação entre ocupação laboral, evasão escolar e renda menor estar clara, o artigo busca diferenciar os tipos de trabalho juvenil. Rocha se contrapõe à ideia de que o trabalho juvenil é, em todos os casos, meramente uma forma encontrada por famílias e pelos jovens para obter renda rapidamente, em sacrifício dos estudos e, possivelmente, de um futuro financeiro melhor. Para ele, o trabalho pode ser também uma estratégia mais sofisticada para obter independência econômica de forma rápida. Isso vale para quem tem, na prática, poucas chances de investir em altos níveis de escolarização formal. O pesquisador se baseou no discurso dos próprios jovens trabalhadores para estabelecer uma distinção entre os tipos de trabalho. Ele usou falas sobre a relação de brasileiros com o trabalho durante a juventude coletadas pela pesquisa “Radiografia do Brasil Contemporâneo”, publicada em 2016 pelo Ipea. Foram encontradas 55 entrevistas que abordam a temática do trabalho juveni

l. Três tipos de trabalho foram diferenciados:

O trabalho juvenil pedagógico Esse é o tipo de trabalho retratado de forma mais positiva pelo autor, mas também o que menos aparece nos discursos analisados - está presente em apenas 12,5% deles. Ele está vinculado à atividade realizada durante a adolescência em tempo parcial que não representa sacrifício dos estudos ou nível de renda na vida adulta. Um dos exemplos apresentados é de uma mulher que começou a trabalhar aos 15 anos de idade como estagiária no Banco do Nordeste. Na entrevista, ela destaca que o fazia por necessidade, “para ajudar na minha casa, a minha mãe”. Mas também pela busca de autonomia e inserção no mercado laboral. A entrevistada retrata a experiência de forma positiva: “você tem que aprender para se manter no mercado, cumprir horário. Fui aprendendo mesmo a passar por essas experiências como estagiária”.

O trabalho juvenil fruto do desamparo Retratado em 41,8% das 55 entrevistas, o trabalho juvenil como fruto do desamparo se localiza no extremo oposto do trabalho juvenil pedagógico. Ele está associado ao trabalho infantil em tempo integral, tanto na infância quanto na adolescência, e é uma necessidade causada pela privação econômica.  As narrativas são marcadas pela falta de uma rede familiar de proteção capaz de permitir que o jovem viva a própria infância. Em alguns casos, essa situação está aliada à falta de cuidado afetivo. Em outras, é fruto de um choque familiar, como a morte do provedor ou provedora, “acarretando a destituição precoce da infância e da adolescência”. Um dos entrevistados se refere a essa situação da seguinte maneira: “a minha mãe teve 20 filhos. Então, ela me deu pra minha avó, e ela me trouxe pra cá, só que eu ia e voltava, porque a casa aqui era alugada, e a gente ia e voltava. Quando ela me deixava lá, era muito difícil pra mim, e quando eu vinha pra cá, era pra trabalhar. Com 11 anos, já fui trabalhar em casa de família, em fábrica de castanha, né?”. O trabalho juvenil como sacrifício Há também o trabalho juvenil enxergado pelos trabalhadores como um sacrifício por um bem maior. Geralmente, trata-se do trabalho infantil em tempo parcial. Se no caso do trabalho pedagógico os entrevistados destacam, apesar das dificuldades, os ganhos pessoais que tiveram com suas atividades, no caso do trabalho como sacrifício o destaque é para a necessidade familiar que estava sendo suprida. Um dos entrevistados descreve dessa maneira sua situação: “A gente não deixava só nas costas do meu pai porque a carga era muito pesada pra ele. Então, quando a gente conseguia conciliar aquela parte ali, não ficava totalmente pesado pra ele”. Para Rocha, a diferenciação entre esses tipos de trabalho é importante para identificar as melhores formas de intervenção.


Fonte: Nexo, 15 de maio de 2017.