O resgate de uma família de nove pessoas que vivia em situação análoga a de escravidão, ocorrido na última semana, em Brejetuba, não é um caso isolado. Os auditores fiscais do Ministério do Trabalho (MTE) recebem uma denúncia por dia de trabalho degradante no campo. Levando em consideração apenas os períodos úteis, são 252 casos por ano relatados às autoridades.
“Se a gente tivesse mais ‘pernas’, conseguiria atingir mais gente. Temos muita demanda. São inúmeras denúncias. Nessa época, são em torno de 20 a 30 por mês. É algo muito grave”, alerta o auditor fiscal do Trabalho, Rodrigo de Carvalho.
Ele reforça que o fato de os locais de exploração estarem em regiões remotas, de difícil acesso e cercadas por porteiras fechadas, dificulta o trabalho das equipes de fiscalização.
O MTE aponta que o total de trabalhadores libertados não representa nem 5% da população que vive em condições precárias no estado.
A maior parte das queixas que chega ao órgão, segundo o superintendente Regional do Trabalho, Alcimar Candeias, está relacionada à insatisfação do trabalhador e de seus familiares.
Ele explica que alguns profissionais mesmo não tendo direito a equipamentos de segurança, alojamento decente, alimentação e carteira assinada não denunciam as práticas criminosas porque recebem salário ou parte da produção.
“Ele acha que tem remuneração elevada para os padrões de quem trabalha na roça e se conforma. Não buscam ajuda, ficam anos num emprego indigno.”
Outro ponto que dificulta a fiscalização é a limitação no número de fiscais. Apenas uma equipe é responsável por monitorar todo território rural capixaba.
Diante disso, o grupo precisa dar prioridade apenas às denúncias consideradas mais graves. “A gente acredita que a grande maioria das denúncias é de pessoas que estejam em situação análoga a de escravo. O problema é que o número de auditores fiscais para realizar essas tarefas só vem diminuindo, ano a ano, em função da aposentadoria e da não reposição dos quadros. O que a gente faz é ficar apagando incêndios de grandes proporções”, reforça Rodrigo.
A região mais crítica, acrescenta o fiscal, é onde estão as fazendas de tomate, em municípios como Brejetuba, Iúna, Ibatiba e Venda Nova do Imigrante. “Mas dois terços das denúncias são em função da safra do café. As outras denúncias também residem nas culturas temporárias. Na agropecuária são poucos casos”, completa.
Na cafeicultura, o trabalho escravo se concentra principalmente nas grandes e médias propriedades do Norte e Noroeste do Espírito Santo.
Outra situação que tem sido acompanhada pelo Ministério do Trabalho, no estado, envolve os chamados “peões de trecho” – pessoas que ficam percorrendo de fazenda em fazenda no estado, sendo exploradas por um e por outro proprietário de terra de acordo com a sazonalidade da safra.
Para fazer esse intercâmbio dos trabalhadores entre essas propriedades, existe a figura do “gato”, que age em favor dos fazendeiros e fica com parte do dinheiro dos trabalhadores.
Algo que tem se tornado comum também no agronegócio do estado é o uso da agricultura familiar para mascarar a exploração da mão de obra.
Os donos de terra realizam falsos contratos de parceria, colocando o trabalhador na condição de produtor rural quando, na verdade, ele é mero funcionário que não tem acesso a qualquer direito trabalhista.
Tanto o Ministério Público do Trabalho quanto o Ministério do Trabalho têm centenas de inquéritos e ações em aberto envolvendo esse tipo de situação no Espírito Santo, mas os dois órgãos admitem que o trabalho precário, degradante ou análogo à escravidão continua sendo prática recorrente no campo capixaba.
Fonte: G1, 16 de maio de 2017.