O povão, em sua maioria, não foi à rua nem a favor, nem contra o impeachment. A xepa, em nome do qual tudo é feito, mas que raramente se beneficia dos resultados, permaneceu trabalhando em nome do bem-estar do país e assistiu a tudo bestializada pela TV.
Basta ver os perfis dos grupos que pediram o impeachment ou se posicionaram contrário a ele para verificar que ambos tinham mais semelhanças sociais e econômicas entre si do que com a massa pobre supracitada. Isso derruba a validade desses movimentos? Não, mas ajuda a entender a atual pasmaceira.
Apesar de reunir razões para cassar um punhado de Dilmas e Collors, Temer permanece no Palácio do Planalto após ser formalmente denunciado por corrupção e ter parte do seu gabinete enroscada na Lava Jato, amparado com apenas 7% de aprovação e diante de 83% da população querendo eleições diretas imediatas para presidente.
Amparado por parte da velha política (que vê nele uma possibilidade de salvação das guilhotinas da Lava Jato) e do poder econômico (que lhe prometeu apoio em troca das reformas e da manutenção de seus privilégios), ele vai ficando.
Conta também com uma sensação coletiva, cada vez maior, de que não adianta tirar alguém porque o seguinte pode ser pior. Claro que há um núcleo de antipetistas ferrenhos que se deram por satisfeitos com a saída de Dilma, mas protestos contra Temer não dependem deles e acontecem. Ocorre que, acima de tudo isso, a grande massa amorfa vive uma profunda desolação diante da situação econômica e do desemprego. E vai tocando a vida como dá, dando mais valor às suas redes pessoais, religiosas e comunitárias e sem esperar muito do Estado.
Para entender o comportamento de determinado grupo social diante da possibilidade de mudanças, é necessário verificar qual sua situação atual e o viés que ele vê para seu futuro. Se a vida está boa e a tendência é de continuar melhorando, ele vai defender a manutenção do sistema, como uma reeleição do partido que está no poder. Se a vida esteve boa, agora está piorando e o viés é de mais piora, ele pode demandar mudanças porque entende que seus líderes não estão sendo capazes de resolver uma crise econômica. Agora, se a vida está muito ruim e a chance é de piorar ainda mais, há espaço aberto para insurreição.
Isso não é matemática, claro. E depende de elementos que deem início ao processo. Como foram as manifestações pela redução do preço das passagens do transporte público em junho de 2013
A população está empapuçada de casos de corrupção, o que levou à sua banalização e ao entendimento equivocado que o mundo é assim e nada pode mudar. Desconfio, contudo, que se a TV, ao invés de transmitir infindáveis horas de denúncias de corrupção envolvendo o governo (o que é importante, claro), também mostrasse os impactos negativos da Reforma Trabalhista, em trâmite no Senado, e das já aprovadas da Lei da Terceirização Ampla e da PEC do Teto dos Gastos, Temer e aliados sofreriam um baque em sua tentativa de se manter no poder.
A maioria dos trabalhadores sabe bem o que significa a Reforma da Previdência e se opôs (71%, segundo o Datafolha, é contra). Mas não entendeu ainda a extensão do conteúdo da complexa e propositalmente mal discutida mudança nas leis trabalhistas.
Segundo levantamento realizado pela Repórter Brasil, tanto no que diz respeito ao tempo quanto às fontes ouvidas, há um desbalanceamento a favor da reforma na cobertura dos principais telejornais do país. Esse desequilíbrio é menor junto aos jornais impressos, mas que não alcançam a maioria dos trabalhadores como a TV. Não estou entrando no mérito da razão disso, apenas tentando entender as consequências.
Se a população compreendesse como vai perder proteção à sua saúde, segurança e qualidade de vida através de uma reforma adotada à toque de caixa e goela abaixo por um governo impopular, talvez resolvesse ir à rua. E iria com raiva.
O problema é que parte do poder econômico, que se faz bem presente na caixa de ressonância da mídia, quer a Reforma Trabalhista, mesmo que o custo dela seja a manutenção no poder de um grupo político que dobra as instituições para se manter vivo. E, consequentemente, esgarça a democracia. Ou seja, fazem de tudo para que a publicização dos impactos negativos da reforma não chegue ao povão e também para desacreditar o tanto que consegue chegar.
O acesso à informação e a debates claros, acessíveis e equilibrados sobre o tema significaria conscientização, o que leva ao protagonismo das pessoas sobre sua própria vida e à vontade de participar ativamente da vida de seu país. Participando ou não de greves ou paralisações e entendendo quem delas participa.
Não estou dizendo que conscientização leva a ser a favor ou contra a Reforma Trabalhista. Mas ajuda as pessoas a serem livres para debater e decidir.
Daí, reside o problema.
Pois existe um Brasil dentro do Brasil que até aceita um presidente corrupto. Mas não trabalhadores que sejam realmente livres.
Fonte: Blog do Sakamoto, 03 de julho de 2017.