Nascido numa família de médicos e advogados no interior da Bahia, Tiago Melo tinha, na juventude, apenas essas duas profissões no horizonte. Influenciado pelos pais, ficou com a segunda opção. Formou-se, obteve o registro na Ordem dos Advogados do Brasil e... abandonou tudo. Preferiu se mudar para o Rio em busca do sonho de ser ator e produtor, sem sequer trazer a carteirinha da ordem na bagagem.

— Ficar num escritório das 8h às 18h, utilizando trajes e linguagens formais não me atrai. Sou muito mais feliz com o que tenho hoje, ainda que tivesse uma condição financeira melhor na profissão anterior — conta ele, que poderia atuar no escritório de advocacia da família.

Melo, hoje com 27 anos, viveu uma situação que acomete boa parte da geração de profissionais que está na casa dos 30. Como identificou um mapeamento feito pela Pesquiseria, a pedido da Giacometti Comunicação, 52% dos jovens adultos nesta idade trabalham apenas para sobreviver, não realizando uma atividade profissional da qual se orgulhem.

— Sempre que mostro este número em palestras, as pessoas demonstram um espanto inicial. Depois, quando começam a refletir, lembram que conhecem várias pessoas nessa situação — conta o coordenador da pesquisa, Dennis Giacometti.

Há motivos para tanta frustração. Parte deles, segundo Giacometti, se deve à falta de um projeto de educação no Brasil que estimule o autoconhecimento entre os jovens aliada à pressão que eles sofrem na hora de escolher uma profissão.

— Com 18 anos, essas pessoas ainda estão com a cabeça em formação, mas precisam decidir qual carreira seguir, sob uma forte influência da família e dos amigos — observa ele.

CHANCES DE MUDANÇA

Para sorte de muitos, a frustração não se reverte em comodismo. Parte dessas pessoas anda virando a mesa, como fez Melo, embora ele diga não ser fácil dar uma guinada dessa dimensão. Até hoje, quando vai à casa da família, ouve o pai dizer como preferia ver o filho do jeito como aparece na foto da formatura. Ele, por sua vez, segue firme e se esforça para caminhar com as próprias pernas.

— Às vezes, é preciso dar dois passos para trás para se fazer o que gosta. Cheguei a morar na despensa de um apartamento com oito moradores. Mas, aos poucos, tudo foi se ajeitando — conta ele, que hoje está mais focado na carreira de ator. — Mesmo com todo o perrengue, sentia medo quando pensava na possibilidade de voltar à carreira de antes, porque sabia o quanto seria infeliz.

No dia em que concedeu esta entrevista, o psicólogo clínico Ailton Amélio, professor aposentado da USP, atendeu a um paciente que dizia ter três conhecidos que mudaram de profissão. Para ele, a frustração anda alta, de fato. Mas a diferença é que as possibilidades de mudança estão mais palpáveis do que em outros tempos.

— A vida se prolongou muito. As pessoas estão se casando e saindo da casa dos pais mais tardiamente. Com menos responsabilidades, como despesas com moradia e filhos, fica mais fácil mudar de carreira — observa o psicólogo.

Amélio, inclusive, reforça o quanto é absolutamente normal o desejo por uma mudança de carreira. Só não vale, como ele alerta, romantizar as possibilidades.

— É preciso se informar, conversar com outros profissionais e visitar os locais de trabalho na área pretendida. Não se pode idealizar uma profissão porque viu algo em um filme ou leu em um livro — diz ele, alertando sobre como uma mudança mal calculada pode levar a uma segunda frustração.

A gerente nacional de carreiras do Ibmec, Fernanda Schröder, está mais do que acostumada a ouvir o relato de jovens que se dizem frustrados com a profissão. Para ela, a recomendação de Amélio faz todo sentido.

— Ao refletir sobre a carreira, as avaliações precisam ser feitas de modo bastante racional. Mas quando as pessoas estão insatisfeitas, tendem a se guiar muito pelo fator emocional. E isso faz com que o jardim do vizinho acabe parecendo mais verde que o nosso — comenta ela.

Para Fernanda, quando a frustração bate, a primeira atitude deve ser uma profunda reflexão sobre o que nos traz felicidade. Isso é importante porque o trabalho dificilmente vai se resumir a oito horas diárias.

— A gente pensa em trabalho quando está em casa e até mesmo nos momentos de lazer. Como estamos com o celular o tempo todo nas mãos, essa relação ficou ainda mais intensa. Por isso, temos que trabalhar com algo que nos dê muito prazer — reflete ela.

Uma vez obtidos esses esclarecimentos, é hora de definir objetivos e pensar estrategicamente sobre como alcançá-los. Fernanda usa uma metáfora para mostrar como isso deve ser feito.

— É como uma viagem. Se você vai à praia, a bagagem é uma. Quando o destino é a neve, a coisa já muda — brinca ela. — Da mesma forma, para se alcançar um objetivo profissional, é preciso construir um bom networking e buscar os cursos mais apropriados para chegar até o posto de trabalho desejado.

CUIDADO COM A ANSIEDADE

Assim como muitas pessoas que optam por uma mudança dessas acabam descobrindo na marra, Fernanda avisa que o processo pode ser muito doloroso. É preciso fazer muitas renúncias e arcar com as consequências. Em meio a tantos desafios, controlar a ansiedade é fundamental:

— Esta geração é muito imediatista. Acham que tudo tem que acontecer para ontem. Mas sem a devida paciência, as chances de frustração aumentam.

Entre as causas e efeitos da frustração profissional, o fator monetário sempre aparece. Como afirma a psicóloga e coach Luana Menezes, as pessoas se preocupam tanto com a estabilidade financeira, que deixam de analisar o quanto aquele projeto vai impactar no seu nível de felicidade e realização.

— Mas não adianta fazer gestão de carreira priorizando o dinheiro. É um componente importante, mas precisa estar acompanhado de identificação com a empresa, o trabalho e a área de atuação — reforça a psicóloga.

Também é comum os profissionais se sentirem inseguros em abrir mão daquilo que escolheram inicialmente por já terem alcançado certa estabilidade. Segundo Luana, muitos ainda enxergam uma mudança de área como desperdício de tempo e dinheiro, em virtude dos esforços empenhados durante a formação.

— Essa realidade, porém, está mudando. Percebo que a geração atual faz uma busca por prazer e qualidade de vida no trabalho — nota ela. — E isso é importante, porque escolhas que não condizem com quem somos causam muitos problemas, como depressão e ansiedade.

A médica Daphne Usiglio é o que se poderia chamar de “caso de sucesso” em mudança de carreira. Ela sempre quis cursar Medicina, mas acabou fazendo Psicologia por achar que “seria o caminho mais curto para a felicidade”. Ledo engano. Embora não tenha necessariamente se arrependido da primeira faculdade, abrir mão do curso que sempre sonhou se mostrou inviável com o tempo.

— Comecei a fazer a segunda faculdade com 23 anos e todo mundo dizia que eu era maluca — diverte-se ela que, aos 33 anos, está no meio da residência. — Mas a perspectiva financeira da psicologia me deixava apreensiva e isso me estimulava a buscar uma área mais estável.

Para arcar com a transição, Daphne se organizou bastante e flertou até mesmo com o empreendedorismo: enquanto cursava o último período de Psicologia, montou um quiosque de bijuterias e acessórios na estação de metrô da Uruguaiana para garantir os recursos financeiros necessários para se bancar.

— Não mudei tudo do nada. Busquei um conforto financeiro para não depender de ninguém, já que existe muita resistência e preconceito nestes casos. Um ano depois de abrir o negócio, já tinha grana para pagar a faculdade — relembra ela.

Quando reflete sobre sua trajetória, Daphne afirma estar completamente realizada com a forma como está conduzindo a sua vida profissional.

— As pessoas não devem negar o passado. Por mais que seja uma profissão diferente, tudo aquilo que aprendemos vai ser útil em uma hora ou outra. A sensação de arrependimento é muito destrutiva. Ter um olhar otimista sobre o caminho percorrido é muito mais construtivo — conclui ela.

Fonte: O Globo, 24 de julho de 2017.