"O que não me mata me fortalece". A máxima de Nietzsche cabe a todo brasileiro não envolvido em corrupção que foi atingido pela grave crise que o País ainda busca superar. E vem ao encontro do que especialistas em planejamento financeiro recomendam. Dados recém-apresentados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) mostram que, para se ajustar ao momento de menor renda, 94% dos brasileiros adotaram alguma medida de economia.
Dentre elas, a mais citada pelos entrevistados foi a compra de produtos mais baratos ou sem marca (72%). Em seguida, a disciplina de não comprar novas peças de vestuário ou supérfluos (71%) e a mudança dos destinos de férias por opções mais em conta, da mesma maneira que se priorizou alternativas de lazer gratuitas (71%) - ver quadro.
"Esse consumo mais consciente a partir de um contexto de crise é um ganho frente ao desgaste de enfrentar um momento difícil sem planejamento. O desafio é prosseguir com esse tipo de comportamento saudável, depois de superada a crise. Até porque a Anbima se preocupa com o fato de que, sendo na crise ou na bonança, poupa-se muito pouco no Brasil", observa a superintendente de Educação e Informações Técnicas da entidade, Ana Leoni.
Os dados são fruto de uma parceira da associação com o Datafolha. Foram realizadas 2.653 entrevistas em 130 municípios de todas as regiões do País. O grupo abordado tinha idade igual ou superior a 16 anos e integra a população economicamente ativa e inativos que possuem renda e aposentados, das classes A, B e C. A margem de erro, segundo a Anbima, é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. E o nível de confiança é de 95%.
Chama atenção que, entre as medidas, a quarta mais representativa é o ato de trocar produtos ou vender coisas que não se usa mais (40%). "A pesquisa reflete o momento atual, em que economizar está na moda e atitudes que antes eram mal vistas como comprar roupas usadas passaram a ser socialmente aceitas e até valorizadas pelo viés da sustentabilidade", constata a superintendente da Anbima.
Logo depois da troca de produtos aparece a troca de serviços entre pessoas e profissionais (31%). Compartilhar carros e serviços de transporte em geral aparece com 25%.
Na sequência vêm o compartilhamento de serviços de faxineira e babá (19%), a formação de grupos para comprar coletivas (17%) e a decisão de morar juntos ou alugar cômodos da casa (16%).
Um dado curioso da pesquisa é que pouca gente economizou com água ou energia, diminuindo por exemplo a duração do banho: só 1%. O brasileiro também não deixou de se divertir. Apenas 0,45% diminuíram os gastos com baladas.
É preciso manter o hábito no futuro
Em Londrina, a planejadora financeira certificada pela Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros) Juliana Sitta Queiroz é reticente sobre o comportamento futuro dos brasileiros em relação ao consumo. "Pelo menos as pessoas estão tentando melhorar a sua relação com o dinheiro, pois foram forçadas a fazer isso em função dessa crise. Talvez isso não represente uma mudança de longo prazo, apenas uma atitude de emergência", avalia.
Ela enfatiza a importância de se fazer poupança. "É muito importante que as pessoas tenham consciência disso para que possam ter fôlego em uma época difícil. A crise vem e vai. A questão é, como eu estou me preparando para que eu consiga me manter em uma próxima crise, pois isso é uma circunstância. É preciso olhar mais para um contexto de vida", aponta.
Como planejadora, a recomendação de Sitta é "conhecer seu orçamento e consumir de forma consciente". Só assim, é possível ir para a segunda etapa, de cortar os desperdícios. "É preciso conhecer o orçamento para fazer escolhas certas com objetivos e prazos."
Sitta reforça que a poupança precisa ser entendida como instrumento de realização de projetos de vida e sonhos. "A pessoa planejada vai guardar porque é o compromisso de que ela vai chegar a algum lugar", ensina.
Professor de mercado financeiro e capitais da FAE Centro Universitário, de Curitiba, o contador Jorge Luís Prado lembra que é preciso gastar menos do que se ganha. "Praticar o óbvio é algo que a maioria da população tem dificuldade de entender principalmente porque não se sabe exatamente quanto ganha", alega. Ele é categórico ao defender que é preciso "viver com 70%, no máximo 80%" da renda mensal. "É preciso viver com menos do que se ganha ou encontrar uma segunda fonte de renda, buscar formas mais rentáveis de investimentos. E fazer o orçamento até, pelo menos, o primeiro trimestre, ou, preferencialmente, até o fim do próximo ano", recomenda.
O professor também lembra que, com a queda nos juros, faz-se necessário procurar investimentos melhores para rentabilizar o patrimônio. (M.M.)
Fonte: Folha de Londrina, 06 de novembro de 2017.