Neste sábado (11), quatro meses depois de ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer, entra em vigor a reforma trabalhista. O pacote de medidas era uma promessa do governo que ascendeu ao poder após o impeachment de Dilma Rousseff. Temer e seus aliados consideravam a legislação trabalhista brasileira antiga e burocrática. A medida é uma antiga reivindicação do empresariado.

Desde o princípio do debate, o governo insistiu na palavra “flexibilização” para falar das mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), negando se tratar de perda de direitos dos trabalhadores. O pacote de medidas aprovado pelo Congresso é uma das maiores modificações nas regras do trabalho desde que elas foram implantadas por Getúlio Vargas, em 1945.

Em meio à crise econômica, o governo sustenta que a reforma é importante para criar empregos e dar segurança a empresários e trabalhadores. Ao todo, são cerca de 100 mudanças em pontos específicos da CLT, que tem mais de 160 páginas.

A base do pacote é dar força aos acordos coletivos, em um modelo chamado de “acordado sobre legislado”. Na prática, o que for decidido entre a entidade de classe que representa os trabalhadores e a empresa empregadora não poderá ser posteriormente contestado na Justiça.

Quando a reforma foi aprovada no Congresso, o governo garantiu que faria ajustes no texto final por meio de Medida Provisória. Entre os pontos a serem alterados estava a possibilidade de que mulheres grávidas ou lactantes trabalhassem em locais insalubres caso houvesse autorização de um médico. Mas até a entrada em vigor da reforma, a promessa não foi cumprida.

As medidas que entram em vigor imediatamente são exatamente as mesmas aprovadas pelos parlamentares quatro meses atrás. O Nexo mostra como as novas regras vão afetar contratados, demitidos, desempregados em busca de trabalho e trabalhadores que acionam a Justiça.

O que muda

Para contratados

Para quem está trabalhando, pode haver alterações em caso de acordo com o sindicato. Está permitida a divisão das férias em até três períodos. A antiga lei não tratava do parcelamento de férias, mas era comum que sindicatos e empresas as dividissem em dois períodos.

A divisão da jornada de trabalho também pode ser alterada, desde que não ultrapasse o número de horas permitido pela Constituição: 8 horas diárias e 44 horas semanais. A jornada de 12 horas trabalhadas e 36 horas de folga também está permitida.

As empresas que fornecem transporte não são mais obrigadas a contar o período de deslocamento como hora trabalhada. O horário mínimo de almoço passa de 1 hora para 30 minutos. Nesse caso, o funcionário pode ir embora meia hora mais cedo.

As novas regras também instituem o banco de horas como alternativa ao pagamento de horas extras pela empresa. A modalidade depende apenas de acordo entre empregador e empregado. Nesse caso, em vez de pagar as horas trabalhadas a mais, a empresa compensa o funcionário com folga.

Para demissões

A principal mudança é o chamado distrato, um acordo entre a empresa e o funcionário para o rompimento do contrato. Caso o empregador queira demitir e o empregado concorde, ele receberá, na demissão consentida, apenas parte dos direitos: metade do aviso prévio e metade da multa do contrato. Ele terá direito normalmente a férias e a 13º salário proporcionais, mas fica sem poder acessar o seguro desemprego.

A homologação da demissão não precisa mais ser feita na presença de um representante do sindicato. Basta um representante da empresa e o próprio empregado.

Para contratações

A reforma flexibiliza e cria novas formas de contratar funcionários. A mais diferente dos modelos atuais é a contratação para “trabalho intermitente”. Nela, a empresa paga por hora trabalhada, sem a necessidade de se estipular um período mínimo para o acordo.

O intermitente não pode ganhar proporcionalmente menos do que os que exercem a mesma função. O funcionário pode ter esse tipo de contrato com mais de uma empresa. O valor devido de férias e 13º é calculado com base no período trabalhado.

A reforma também muda as regras para contratos temporários de trabalho. Antes da reforma, um funcionário poderia ser contratado temporariamente por 45 dias com possibilidade de prorrogação por mais 45. Agora o prazo é de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90. Nesse período, o contrato pode ser rompido sem que a empresa precise pagar a multa por demissão sem justa causa.

A lei da terceirização, também aprovada em 2017, não faz parte da reforma, mas já está em vigor.

Para a Justiça

O trabalhador não poderá contestar na Justiça termos do acordo feito entre o sindicato e a empresa. Pela nova lei, o cálculo de indenizações por dano moral será feito com base no salário do funcionário. Isso significa que se duas pessoas com salários diferentes sofrerem o mesmo assédio, o ressarcimento pelo dano será maior para quem ganha mais.

Além disso, um trabalhador poderá ser punido caso se comprove que ele move a ação de má fé ou baseado em mentira. A multa varia entre 1% e 10% do valor total da causa.

Entrar na Justiça do Trabalho passa a não ser gratuito para quem ganha acima de R$ 2.212. Caso seja derrotado, o empregado pode ser obrigado a pagar o custo do processo. E mesmo o trabalhador que tenha conseguido o direito à Justiça gratuita pode ser obrigado a pagar a perícia e uma parte dos honorários dos advogados da empresa caso o resultado lhe seja desfavorável.

Quais as dúvidas

Os quatro meses entre a sanção da reforma e sua entrada em vigor não foram suficientes para sanar as dúvidas sobre o novo texto. A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), por exemplo, divulgou um documento questionando vários pontos da nova lei. A orientação a seus membros é para que não levem a lei ao pé da letra sob o argumento de que há pontos inconstitucionais.

Um dos pontos questionados é o estabelecimento da jornada de 12 horas de trabalho e 36 de descanso por meio de acordo individual, entre empresa e empregado. Os juízes defendem que o cálculo da indenização por dano moral com base no salário é inconstitucional.

O contexto e o debate da reforma

As mudanças nas leis trabalhistas fazem parte do programa de reformas liberalizantes promovido pelo governo Temer. Com o país em grave crise econômica, o ex-vice de Dilma Rousseff, que foi afastada no processo de impeachment em maio de 2016, adotou uma agenda de incentivo ao setor privado.

A mudança nas leis trabalhistas ataca um desses pontos diminuindo o custo de se contratar e se demitir no Brasil — alto demais na visão dos empresários. A ideia é tornar os investimentos mais atrativos no Brasil e melhorar o ambiente de negócios. Na versão do governo, a consequência desse movimento será a criação de mais postos de trabalho.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho, chegou a dizer que não se cria empregos aumentando direitos. A fala foi rebatida pela Anamatra, em nota divulgada pelo presidente da seção gaúcha da entidade. Segundo o texto, algumas das declarações “não refletem, sequer aproximadamente, o entendimento da maioria dos seus associados”.

A oposição ao governo e os sindicatos também têm feito duras críticas às mudanças. Os defensores da CLT reclamam da perda de direitos com a reforma. Para eles, há o perigo de precarização dos postos de trabalho e do enfraquecimento dos direitos legais dos trabalhadores.

Fonte: Nexo, 13 de novembro de 2017.