Não é assim que se passa reforma

 

Eleição de sábado estabeleceu que opinião pública pode atropelar regras do parlamento

ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, conseguiu uma vitória importante na eleição para presidente do Senado no último sábado.

Mas antes de cravar que isso o qualifica para conduzir as negociações das reformas, é melhor descobrir o que, exatamente, aconteceu dois dias atrás.

Se a mudança de voto de Flávio Bolsonaro —que só mostrou sua cédula na segunda votação— tiver sinalizado que o governo de seu pai (ou governos estaduais aliados) topou usar a máquina para distribuir favores, bom, então voltamos ao jogo de sempre. 

A opinião pública terá sido enganada na questão do voto aberto: ele só terá sido importante porque informou o governo sobre que senadores entregaram o que venderam.

Não é bonito, mas, se foi isso, as chances de aprovação das reformas aumentaram.

Mas se o governo Bolsonaro só fez o que fez na frente de todo mundo, a estratégia utilizada por Onyx Lorenzoni para vencer Renan Calheiros não vai funcionar para aprovar reformas impopulares.

Imaginem: prevendo uma derrota na votação da Previdência, Paulo Guedes senta na cadeira da presidência do Senado e diz que dali não sai. Os bolsonaristas vão à internet e conclamam a população a subir a hashtag #Queromeaposentarmaistarde. 

Exigem que o voto seja aberto para submeter os deputadosantirreforma ao que o senador Major Olímpio chamou de "o tribunal dos aeroportos".

Seria um fiasco. Ninguém tem nenhuma pressa de aprovar reformas, de modo que Guedes seria incorporado à mobília permanente do plenário. Os deputados antirreforma é que fariam questão de mostrar as cédulas dizendo que votaram contra o governo. O tribunal dos aeroportos, e, sobretudo, o tribunal das rodoviárias, seriam bastante rigorosos com Major Olímpio.

Se foi assim que o governo ganhou no sábado, ganhou uma briga de campanha contra um adversário fácil de apresentar como bode expiatório da fisiologia brasileira.

A briga por reforma é completamente diferente. 

Aí você quer que os parlamentares votem contra a opinião pública. Votar a seu favor no parlamento significa perder votos nas eleições. É por isso que o parlamentar pede compensação em cargos, em dinheiro para campanha, em políticas que favoreçam seus eleitores (e que geralmente custam caro).

E aí surge outro problema: a eleição de sábado estabeleceu como precedente que a opinião pública pode atropelar as regras do parlamento. 

Renan desistiu depois que seu rival passou a tarde anterior sentado na cadeira de presidente para avacalhar o processo, depois que uma votação que ele teria ganho foi anulada por fraude. A propósito, a regra, goste-se ou não dela, era mesmo voto secreto.

As regras que deixavam Renan jogar eram as mesmas que faziam o Senado funcionar. 

Na hora que o governo precisar que essas mesmas regras funcionem contra a opinião pública, talvez elas façam falta. 

Se você quiser ter uma ideia do quanto o sucesso de Onyx dependeu da impopularidade de Renan, veja o que aconteceu na eleição da Câmara, onde Rodrigo Maia foi eleito com tranquilidade. 

A derrota não pareceu tão feia quanto teria sido perder para Renan, mas foi porque, contra Maia, Onyx não conseguiu sequer entrar em campo. 

Na Câmara ganharam os partidos. Ganhou a política difícil e necessária que o bolsonarismo ainda não mostrou que sabe fazer. 

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Folha de S.Paulo