Reforma da previdência: a realidade os espera bem ali, na esquina
Muito se escreveu, até aqui, sobre as consequências perversas da proposta de contrarreforma da Previdência que acaba de ser aprovada em primeiro turno no plenário da Câmara dos Deputados - ressalvados alguns destaques que ainda não foram votados.
Caso a proposta de emenda constitucional seja confirmada no segundo turno e, posteriormente, nos dois turnos no Senado Federal, os retrocessos serão nefastos, especialmente para os trabalhadores mais pobres.
Os milhões de brasileiros que começam a trabalhar muito cedo para complementar a renda familiar simplesmente sequer se aposentarão diante do desafio de uma contribuição mínima de 20 anos e idade mínima de 65 anos (para homens) e 62 anos (para mulheres).
O novo cálculo do benefício vai puxar para baixo a média dos valores a serem percebidos, numa realidade em que o valor médio pago pela Previdência aos segurados está em torno de R$ 1,2 mil, diante de um teto do Regime Geral de R$ 5,8 mil.
As aposentadorias rurais, diante das regras mais rígidas, se tornarão praticamente inacessíveis.
As pensões, em geral, serão duramente abatidas. Viúvos, viúvas e órfãos poderão receber um benefício (se que é podemos chamar de benefício) inferior ao salário mínimo.
A “nova” Previdência, desprovida de qualquer novidade, se aprovada em caráter definitivo, imporá novas regras em uma economia à beira da recessão, desemprego e subemprego avassaladores e informalidade subindo a galope, razões da crônica desidratação da Previdência Social, associadas às desvinculações orçamentárias.
A “nova” Previdência é apresentada diante de altíssimos índices de rotatividade no mercado de trabalho – um fator que conspira permanentemente contra as aposentadorias, especialmente no setor privado, responsável por empregar a grande massa dos trabalhadores.
A “nova” Previdência asfixia as aposentadorias e pensões que hoje constituem a fonte principal de renda e, consequentemente, do consumo, de mais de 60% dos municípios brasileiros, localizados em sua maioria na imensidão do interior do país, cujos valores superam até mesmo os repasses constitucionais e as arrecadações locais.
Não é a primeira vez, desde que o sistema de seguridade social foi criado, na Constituição de 1988, que se faz uma “reforma” no sistema previdenciário.
De lá para cá, várias modificações foram operadas, desde o sórdido Fator Previdenciário de FHC, passando por medidas menos impactantes nos governos seguintes.
Bolsonaro, insuflado pela eleição de 2018, utilizando as velhas armas do toma-lá-dá-cá (vide as emendas parlamentares publicadas esta semana no Diário Oficial da União), oferece ao mercado financeiro aquilo que Temer, em seu desastroso desgoverno, tentou, mas não conseguiu oferecer.
A maioria parlamentar, submissa ao discurso fiscalista de sempre e afetada por medidas nada republicanas, cede à pressão e embarca na aventura organizada por Guedes e seus meninos de Chicago a serviço dos bancos, depois da infortunada (e assemelhada) experiência que jogou milhões de idosos chilenos na miséria e no abandono.
E mais: ignora, solenemente, os dados ainda muito recentes produzidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal que comprovou a inexistência de déficit previdenciário e denunciou as dívidas bilionárias (notadamente dos bancos e grandes monopólios privados), desprezando consistentes estudos técnicos de inúmeros especialistas sobre o assunto.
E mais ainda: faz cara de paisagem diante da sangria incontrolável dos frutos do trabalho e da produção para o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública, essa sim, a causa central do desiquilíbrio nas contas governamentais que sequestra os investimentos do desenvolvimento nacional para empanturrar ainda mais os bancos e rentistas, e não os gastos com a sustentação do Estado Nacional (utilizados cronicamente como pretexto), cujas distorções pontuais poderiam ser corrigidas sem sacrificar os mais pobres.
É verdade que algumas excrescências foram extirpadas do texto original que saiu do gabinete do ministro da Economia, como a capitalização (a menina dos olhos de Guedes), o BPC e as aposentadorias rurais, mas também é verdade que ela continuou muito ruim, motivo pelo qual a resistência ao seu conteúdo deverá ser intensificada pela oposição parlamentar, pelo centro político nutrido de alguma sensibilidade e, principalmente, pelas mobilizações que continuarão ocupando as ruas.
Em meio aos debates no plenário da Câmara, a palavra que mais ouvimos dos defensores da contrarreforma foi “responsabilidade” com o país, pois a proposta, segundo eles, terá o condão de salvar a Previdência, garantir as futuras aposentadorias e a retomada do desenvolvimento com a geração de emprego e renda. O discurso, como não poderia deixar de ser, soou hipócrita.
Essa mesma ladainha ouvimos por ocasião da aprovação da “PEC da Morte”, que desidratou ainda mais os investimentos e gastos públicos, e da outra contrarreforma, a trabalhista, que feriu de morte os direitos dos trabalhadores e as suas organizações.
Isso se chama irresponsabilidade...
Lá se vão quase três anos desde que decidiram pisar no acelerador das contrarreformas que vinham em ritmo lento no período anterior e, até hoje, os trabalhadores estão à procura dos empregos prometidos e dos recursos em saúde, educação e segurança, todavia, encontram, tão somente, medidas como a recém-aprovada que isenta e premia os monopólios do agronegócio das contribuições previdenciárias em mais de R$ 80 bilhões, enquanto arrancam míseros reais de um pobre trabalhador ou de uma pobre viúva.
Em resumo, covardia com os pobres e vassalagem aos poderosos!
E ainda acham que com essa postura vão convencer alguém de que estão combatendo algum privilégio...
O fato é que o resultado comemorado pelos seus promotores, do Executivo ao Legislativo, só foi possível sob uma narrativa baseada na farsa e na mentira.
A realidade e, com ela, o povo, os cobrará, muito em breve, ali na esquina, e, dessa vez, será implacável e impiedosa, como o foi em outros momentos de nossa história.
* Marco Campanella é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB.
Vermelho