Legislação trabalhista – O que muda com o teletrabalho e por que ele não é home office
Com a exigência do distanciamento social, empresas tiveram não só de acelerar seu processo de digitalização como também de se adaptar à nova realidade do teletrabalho. Entenda por que ele veio para ficar.
Estamos vivendo tempos diferentes e, muitas vezes, difíceis. Digo isso considerando os aspectos sociais, humanos e jurídicos. Em março deste ano, todos nós experimentamos uma nova forma de viver e de trabalhar, concentrando nossas atividades dentro do lar. Acordamos, nos conectamos ao computador, respondemos a e-mails, fazemos videochamadas. Tudo isso sem controle de jornada, sem horário fixo, sem cobrança das horas diárias trabalhadas.
Isso não seria possível se as leis não se adaptassem às mudanças e refletissem essas alterações na realidade de cada indivíduo. Do ponto de vista jurídico, devido à necessidade de regulamentação, até 31 de dezembro de 2020, viveremos enormes consequências para a sociedade, especialmente no aspecto legal.
Como resultado da calamidade pública decorrente da COVID-19, enfrentamos uma série de alterações na legislação trabalhista, com flexibilizações nos contratos de trabalho e redução ou suspensão por um determinado período de tempo. Confesso que nunca pensei que veria essas flexibilizações no mundo do Direito, mas, embora haja muita discussão a respeito de vários aspectos, elas estão aí, em nosso dia a dia, sendo utilizadas pelas pessoas e pelas empresas de acordo com a necessidade de cada uma.
Dentre tantas novidades na esfera trabalhista, o teletrabalho, implementado pela última reforma, tornou-se efetivamente uma realidade para muitos. Realidade essa que, confesso, nunca pensei que viveria com tal intensidade, apesar de acreditar que, um dia, ela iria fazer parte da nossa rotina. Para minha surpresa, essa modalidade de trabalho chegou de forma diferente, mandatória, em razão de toda a situação envolvendo a pandemia, e muito mais cedo do que empresas e gestores previam.
O teletrabalho nada mais é do que realizar as atividades para as quais se foi contratado(a), de maneira preponderante, fora das dependências da empresa. Do ponto de vista conceitual jurídico, o teletrabalho é diferente do home office. A diferença entre os dois modelos está na periodicidade do trabalho em casa e no controle da jornada.
Explico: se passarmos a maior parte do tempo trabalhando em casa e se o trabalho for realizado sem qualquer controle de jornada, estamos diante do teletrabalho.
E que desafios grandes e inesperados ele trouxe! O primeiro deles: buscar motivação. Tenho de me motivar para trabalhar todos os dias em casa. Não só isso, tenho de motivar minha equipe, meus pares e meus colegas de trabalho porque a rotina pode ser pesada e desestimulante, muitas vezes. O segundo desafio e, talvez, o mais importante é uma verdadeira mudança de pensamento e modo de agir por parte dos gestores em relação aos seus times pois, com o teletrabalho, não pode existir um controle de jornada. Adiciono a isso a preocupação que cada gestor deve ter com seu time para que cada integrante tenha um equilíbrio entre trabalho e vida particular, o que pode ser desafiador, quando temos ambientes de trabalho e doméstico totalmente misturados.
Por um lado, a ausência de controle de jornada traz uma liberdade salutar por permitir que cada colega, eventualmente, possa iniciar o trabalho mais tarde, se tem algum tema particular a resolver. Por outro lado, também o obriga a se policiar quanto às horas extraordinárias e eventuais madrugadas a fio de trabalho.
Quem diria que essa liberdade inerente ao não controle de jornada tão almejada poderia ter tantas facetas positivas e negativas ao mesmo tempo, não é mesmo?
Voltando aos aspectos jurídicos do teletrabalho, é sempre recomendável ter todas as regras bastante claras e determinadas em um documento assinado por empregado e empregador. Além de trazer a transparência e a segurança necessárias, isso ajuda a determinar para o empregado exatamente quais são suas obrigações e direitos nessa categoria de trabalho.
Com disciplina, gestão de nosso tempo e motivação, podemos transformar o teletrabalho obrigatório em algo prazeroso e positivo.
Confesso que ter a oportunidade de fazer videochamadas com roupas mais confortáveis, ter a oportunidade de uma longa pausa para o café, cuidar mais da minha casa e evitar as horas de trânsito para passar mais tempo com minha família, com meus pets (afinal, tenho cinco) e comigo mesma, em qualquer lugar que seja, está sendo bem enriquecedor.
No fim das contas, o teletrabalho proporcionou mais tempo para mim e permitiu-me ser mais produtiva e feliz. Acredito que ele veio para ficar, que esse é um caminho sem volta. A lei já permite isso. Basta somente, principalmente a nós, gestores, mudarmos o nosso mindset para entendê-lo e abarcá-lo de maneira positiva e definitiva para as empresas e para cada indivíduo.
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*Carolina De Nardi é diretora jurídica da Zoetis no Brasil.