Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes
Um dos principais questionamentos dos trabalhadores e das empresas neste período do ano é, sem dúvidas, se os dias festivos de Carnaval são considerados ou não como feriados nacionais.
O assunto é de grande relevância, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, no Brasil o Carnaval é considerado uma das maiores festas populares do país. Como se sabe, as comemorações são realizadas durante os quatro dias que antecedem a Quarta-Feira de Cinzas [2]. Aliás, o Carnaval já é a data de 2023 mais esperada pelos brasileiros em virtude das restrições sanitárias que ocorreram nos anos anteriores. Este será o primeiro ano, desde o início da pandemia, que não teremos limitações.
Neste contexto, surgem alguns questionamentos: neste período os empregados têm efetivo direito à folga? Ainda, o empregador poderá exigir que o(a) empregado(a) trabalhe normalmente em tais dias? Se eventualmente trabalhar, é preciso fazer o pagamento de horas extras? E, mais, quais seriam as consequências em caso de faltar ao emprego?
De início, impede destacar que a Lei nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002 [3] — que deu nova redação ao artigo 1º da Lei nº 662, de 6 de abril de 1949 [4] —, preceitua, em seu artigo 1º, que são feriados nacionais os seguintes dias: 1º de janeiro; 21 de abril; 1º de maio; 7 de setembro; 2 de novembro; 15 de novembro e 25 de dezembro. E, mais, a Lei nº 6.802, de 30 de junho de 1980 [5], declarou igualmente feriado nacional o dia 12 de outubro, consagrando a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.
Lado outro, o artigo 2º da Lei nº 9.093, de 12 de setembro de 1995 [6], dispõe que "são feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão". Noutro giro, especificamente no âmbito do Poder Judiciário Federal, a Lei nº 5.010/1966 considera a segunda-feira e a terça-feira de Carnaval como feriados [7].
Dito isso, verifica-se que, de acordo com a legislação vigente, o Carnaval não é efetivamente considerado feriado nacional, e, portanto, poderá haver expediente normal de trabalho. Todavia, poderá ser reputado feriado por meio de legislação estadual ou municipal, como é o caso do Rio de Janeiro, que instituiu a terça-feira de Carnaval como feriado estadual [8]. Logo, não sendo considerado por regra como feriado, o empregador poderá exigir que seus empregados trabalhem normalmente nestes dias, não sendo devido nenhum valor adicional.
Entrementes, para fins de acomodar o trabalho com o período de Carnaval, as empresas poderão adotar algumas das seguintes alternativas quais sejam: (1) conceder folgas aos trabalhadores, sem a necessidade de compensação da jornada, em razão da prática dos costumes locais; (2) autorizar a compensação das horas não trabalhadas de forma antecipada; e (3) utilizar do acordo de compensação de jornada individual ou banco de horas. Contudo, para as localidades em que o Carnaval seja considerado feriado, poderá o(a) trabalhador(a) receber o valor do dia com acréscimo de 100%, ou, se for o caso, compensar as horas trabalhadas em outro dia.
De mais a mais, com o advento da Lei 13.467/2017 [9], a temática da compensação e do banco de horas teve relevantes mudanças, sendo oportunos os ensinamentos de Henrique Correa [10]:
"O banco de horas sofreu alterações trabalhistas. Importante frisar que havia posicionamento jurisprudencial do TST defendendo que os termos compensação e banco de horas eram diferentes. Na compensação, o descanso deveria ocorrer na mesma semana, respeitando o módulo de 44 horas ou, no máximo, dentro de um mesmo mês, respeitando as 220 horas mensais. Nesse caso, a formalização poderia ocorrer individualmente, entre empregado e empregador, incidindo a Súmula nº 85 do TST.Com a Reforma Trabalhista e a consequente modificação do artigo 59 da CLT, o legislador deixou clara a diferença entre os dois institutos:(...). Conforme já sustentamos, a compensação poderá ser realizada entre empregado e empregador em acordo de compensação tácito ou escrito, devendo ser realizada dentro do período de um mês. Portanto, a compensação da jornada é mensalPor sua vez, os §§ 2º, 3º, e 5º do artigo 59 estabelecem a disciplina jurídica direcionada especificamente ao banco de horas que foi dividido em duas modalidades: banco de horas anual e semestral".
Portanto, as empresas podem, por meio de acordo individual, tácito ou escrito, estabelecer o regime de compensação de jornada, para que essa ocorra no mesmo mês, observando-se o limite de dez horas diárias.
De igual modo, se as partes, por um acordo individual, ajustarem o sistema do banco de horas da Lei 13.467/2017, a compensação da jornada deverá acontecer no período de seis meses. Entretanto, se houver a participação do respectivo sindicato da categoria, a compensação poderá ocorrer em até um ano em decorrência da negociação coletiva.
Todavia, em sentido contrário, se a empresa optar pela manutenção do expediente regular nos dias de Carnaval, e caso o(a) empregado(a) vier a faltar ao trabalho, o empregador poderá descontar o dia de salário, assim como poderá deixar de remunerar o descanso semanal remunerado previsto na Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949 [11].
Acontece que uma enorme problemática enfrentada neste período pelas empresas é justamente as faltas dos trabalhadores, sem justificativas, de modo que tal conduta poderá acarretar consequências e penalidades.
Nessa perspectiva, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região manteve a justa causa de seis atendentes de pizzaria que combinaram falta coletiva ao trabalho no Carnaval de 2019 [12].
Em outra ocasião, uma trabalhadora foi demitida por justa causa, sob a alegação de má conduta, em razão de participar de bloco de Carnaval quando estava de atestado médico, violando a confiança necessária à relação de emprego. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região [13]. Em seu voto, a Desembargadora Relatora, ponderou:
"É desnecessário ter conhecimento médico para se deduzir que ir a um bloco carnavalesco não é uma postura de quem está com um quadro de amigdalite e precisa repousar e/ou se recuperar. Desse modo, se a autora se afastou do serviço em gozo de licença médica, amparada por atestado médico que recomendava repouso por dois dias, e restou comprovado que, durante esse lapso temporal, ela praticou ato — inclusive, publicizando em rede social — que destoa de quem supostamente estaria doente, é inegável sua má-fé e a gravidade dessa falta."
Aliás, uma pesquisa realizada no ano de 2020 concluiu que na terça-feira de carnaval 77% dos trabalhadores escalados para trabalhar faltaram ao serviço, ao passo que na segunda-feira as ausências foram de 68%, de sorte que na média dos últimos quatro anos mais de 50% dos funcionários faltaram ao trabalho nessa época do ano [14].
Frise-se, por oportuno, que a temática envolvendo as consequências jurídicas pelo uso de atestado médico falso já foi abordada aqui, pelos autores, nesta coluna, razão pela qual recomendamos a leitura [15].
E, mais, é cediço que diversas repartições públicas decretam o período do Carnaval como ponto facultativo, e, por tal razão, nada impede que na iniciativa privada as empresas, em assim desejando, possam também oferecer folgas aos seus colaboradores. O ponto de maior atenção, porém, fica por conta das atividades de interesse coletivo, ligadas à prestação de serviços essenciais, cuja manutenção do trabalho é medida que se impõe.
Por isso é importante que, para se evitar conflitos e prejudicar o clima organizacional, que seja estabelecida uma comunicação clara e eficaz, devidamente documentada, entre as empresas e seus trabalhadores, a fim de encontrar o melhor caminho a ser seguido.
Em arremate, conquanto o Carnaval não seja tido como feriado nacional, vale lembrar que esse período especial, em razão dos costumes, é marcado por comemorações e festividade em todo o Brasil. Portanto, se revela imprescindível buscar o equilíbrio e definir com transparência como serão desempenhadas as atividades laborais nessas datas.
[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[2] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval_do_Brasil. Acesso em 14/2/2023.
[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10607.htm. Acesso em 14/2/2023.
[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0662.htm#art1. Acesso em 14/2/2023.
[5] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6802.htm. Acesso em 14/2/2023.
[6] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9093.htm. Acesso em 14/2/2023.
[7] Art. 62. Além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos Tribunais Superiores: (...). III - os dias de segunda e terça-feira de Carnaval;
[8] Disponível em https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/87738/lei-5243-08. Acesso em 14/2/2023.
[9] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 14/2/2023.
[10] Curso de Direito do Trabalho, 6ª Edição. Revista atualizada ampliada. Editora JusPodivm, 2021, pág. 764.
[11] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm. Acesso em 14/2/2023
[12] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/carnaval-2022-sem-folia-e-sem-folga. Acesso em 14/2/2023.
[13] Disponível em https://www.trt6.jus.br/portal/noticias/2020/09/25/empregada-e-demitida-por-justa-causa-por-participar-de-bloco-de-carnaval-quando. Acesso em 14/2/2023.
[14] Disponível em https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2020/03/01/faltas-de-funcionarios-no-carnaval-batem-77percent-aponta-levantamento.ghtml. Acesso em 14/2/2023.
[15] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jan-05/pratica-trabalhista-atestado-medico-falso-consequencias-juridicas. Acesso em 14/2/2023.
Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).
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