RETROSPECTIVA DE DIREITOS

Em maio de 2019, o Supremo Tribunal Federal invalidou dispositivo da Reforma Trabalhista que condicionava o afastamento de gestantes ou lactantes do exercício de atividades insalubres à apresentação de atestado médico. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.938, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos.

 

A norma declarada inconstitucional havia sido inserida na CLT pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) e admitia que gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, recomendando o afastamento.

 

O ministro Alexandre de Moraes (relator), em decisão individual, já havia deferido liminar para suspender a aplicação da regra. Na análise do mérito, o Plenário confirmou a cautelar e julgou procedente o pedido, vencido o ministro Marco Aurélio (aposentado).

 

Em seu voto, o relator destacou que a proteção à maternidade e à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade ou pela própria negligência da gestante ou da lactante em apresentar atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.

 

O ministro destacou a dificuldade das mulheres que não têm acesso à saúde básica para obterem um atestado para essa finalidade. Segundo ele, a Constituição Federal garante uma série de direitos sociais, como a proteção à maternidade, a licença-maternidade e a estabilidade no emprego durante a gravidez, além de normas de saúde, higiene e segurança.

 

Na sua avaliação, mesmo em situações de manifesto prejuízo à saúde da trabalhadora, a mudança na lei passou a atribuir a ela o ônus de demonstrar essa circunstância, o que desfavorece a plena proteção dos interesses constitucionalmente protegidos.

 

Também no seu entendimento, a norma, ao prever o afastamento automático da gestante somente no caso de insalubridade em grau máximo contraria a jurisprudência da Corte que tutela os direitos da empregada gestante e lactante, do nascituro e do recém-nascido lactente, em quaisquer situações de risco à sua saúde e ao seu bem-estar.

 

Retrocesso social

Para a ministra Rosa Weber, a alteração promovida pela Reforma Trabalhista foi um “inegável retrocesso social”, pois revogou a norma anterior que vedava o trabalho insalubre da gestante ou lactante, além de menosprezar direito fundamental à saúde da mãe trabalhadora.

 

Ela lembrou que o valor social do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana permeiam todo o texto constitucional e, por isso, alterações legais não podem comprometer os valores construídos na sociedade brasileira e os direitos fundamentais nas relações de trabalho.

 

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a nova redação afrontou o direito social à proteção da maternidade, o princípio do melhor interesse da criança (artigo 227 da Constituição Federal) e o chamado princípio da precaução, pelo qual, sempre que houver risco ou incerteza, deve-se favorecer a posição mais conservadora e protetiva.

 

Amarras

Em seu voto, o ministro Luiz Fux ressaltou que a trabalhadora, na busca de manter seu emprego no médio prazo, poderia preferir se submeter a fatores de risco e não apresentar atestado médico. Essa atitude poria em risco a sua saúde, decorrente de um eventual aborto espontâneo, e também do bebê, vulnerável na lactação e, mais ainda, na fase gestacional.

 

Além disso, a seu ver, a regra, ao atribuir à trabalhadora o ônus de apresentar o atestado, reforça amarras socialmente construídas, que recaem desproporcionalmente sobre a mulher. Já a ministra Cármen Lúcia disse que a gestação não é uma vulnerabilidade, mas uma bênção, e que acaba sendo retaliada “por uma sociedade na qual qualquer possibilidade de afastamento do empregado opera em seu desfavor”.

 

O ministro Celso de Mello (aposentado) também ressaltou que a regra legal, caso fosse validada, provocaria “inadmissível efeito perverso resultante do desrespeito e da ofensa ao princípio que veda o retrocesso social”.

 

Divergência

Único a divergir, o ministro Marco Aurélio (aposentado) votou pela improcedência do pedido. Para ele, a norma não conflita com a Constituição Federal e é razoável ao exigir pronunciamento médico sobre a conveniência do afastamento do ambiente insalubre em grau médio.

 

Agenda 2030

A série de matérias “O STF e os direitos das mulheres” está alinhada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

 

ADI 5.938

 

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-13/mes-mulher-stf-decidiu-gravida-nao-funcao-insalubre