OPINIÃO

Por Bruno Milhorato Barbosa

Certamente você já deve estar me julgando somente por ter escolhido este título para o artigo. Pois a resposta é, inquestionavelmente, sim! Contudo, posso afirmar que, apesar de existente a discriminação sexista da mulher em relação a salário e acesso a cargo de liderança, nem sempre essa é a causa dos menores salários das mulheres.

 

Colocar toda a culpa da diferença salarial entre homens e mulheres em uma conduta misógina revela um superficial conhecimento do problema.

 

Aliás, os governos, de modo geral (esquerda, direita, centro), sempre levantam a bandeira de que criarão políticas públicas para solucionar o problema, mas, segundo dados do IBGE (Pnad-Contínua, 2022), a diferença salarial, que estava caindo (muito lentamente) até 2020, aumentou para 22% em 2022.

 

O grande erro cometido repetidamente é não propor políticas públicas voltadas para as causas do problema, fazendo uso político dessa legítima bandeira com edições de leis e programas que mantêm as diferenças salariais entre homens e mulheres praticamente estáveis.

 

Os remédios jurídicos necessários para coibir a discriminação salarial possuem previsão na Constituição (artigo 7º, XXX) e na CLT (artigo 461). É rotina do Judiciário trabalhista enfrentar esta questão denominada equiparação salarial, cuja consequência é a condenação da empresa ao pagamento das diferenças salariais e de multa.

 

Insta frisar, que configurada a equiparação salarial da mulher (tendo como paradigma um homem), pode-se perfeitamente considerar que a diferença salarial é discriminatória (admitindo-se prova no sentido contrário). Nesta hipótese, a Lei nº 9.029/95 possui diversas combinações, inclusive reintegração, quando ocorre rescisão ou demissão (artigo 4º da Lei 9.029/95).

 

Possível também é a reparação civil por danos morais decorrentes do ato discriminatório (artigo 927).

 

Como se pode verificar, há um arcabouço jurídico bem estruturado e capaz de firmemente punir e reparar qualquer ato discriminatório salarial contra a mulher. Então por que o problema da desigualdade salarial não foi resolvido ainda? Porque a diferença salarial entre homens e mulheres não tem como fator direto um ato sexista.

 

Segundo um estudo do IBGE (2019), que indica o menor rendimento da mulher nas relações de emprego, também identifica que os homens entram no mercado mais cedo, o que lhes gera uma maior experiência profissional, em contraponto direto ao maior tempo de formação acadêmica da mulher, segundo dados oficiais.

 

O que tem valor no mercado de trabalho é uma questão a ser aprofundada. Segundo a página eletrônica da Catho (um dos mais tradicionais sites de recrutamento do país), o primeiro item avaliado pelos recrutadores é a experiência, e, em segundo lugar, vem a formação acadêmica. Tais variáveis devem ser consideradas na análise das razões estruturais das diferenças salariais.

 

A indagação sobre por que o homem entra no mercado de trabalho primeiro que a mulher persiste. A resposta está no campo sociocultural e em um histórico de relações passadas de geração a geração: "o homem tem que prover a família". Esta condicionante social, tomada como verdade absoluta, é o que se pode chamar de norma de gênero, alimentada desde tenra idade em homens e mulheres, inclusive na contemporaneidade, apesar de todo o arcabouço de dados, movimentos sociais em favor da isonomia e decisões judiciais em favor da equiparação salarial. Apesar daquela máxima de provisão de sustentabilidade familiar pelo homem, um levantamento da consultoria IDados (2020) demonstra que em 2019 47,5% dos domicílios brasileiros eram chefiados por mulheres.

 

As "normas" de gênero são as verdadeiras barreiras à equidade salarial e acesso aos cargos de liderança Uma grande parte dessas normas possui bases socioculturais que não se sustentam na atual dinâmica social, mas se mantém como bloqueios não facilmente identificáveis, construindo um "teto de vidro".

 

Contudo, a mudança social esperada vem ocorrendo de forma vagarosa, com inadequadas e insuficientes políticas públicas para atendimento à determinação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979), internalizada pelo Brasil desde de 2002 (BRASIL, Dec. 4.377/2002). O texto da Convenção, em seu artigo 5º, expressamente trata da necessidade de modificação dos padrões socioculturais e, principalmente, do papel da educação familiar na adequada compreensão da igualdade de responsabilidade de homens e mulheres em relação à maternidade, por exemplo.

 

A atual desigualdade na divisão das atividades domésticas, cuidado, proteção e educação dos filhos leva a afirmar que, mesmo se fosse alcançada a igualdade formal salarial de homens e mulheres, ainda haveria desigualdade material, visto que a falta de equidade na divisão das responsabilidades citadas gera uma sobrecarga em desfavor da mulher, que continuará a ter as famosas duplas e triplas jornadas. Esta sobrecarga, decorrente de normas de gênero, gera a necessidade de maior flexibilização trabalhista para as mulheres, tanto que o "Programa Emprega + Mulheres" tem como premissa exatamente atender uma necessidade de flexibilização contratual primordialmente das mulheres, não obstante inclua os homens como beneficiários dos direitos previstos na respectiva Lei 14.457/2022.

 

O Programa Emprega + Mulheres acaba gerando o efeito de manutenção das obrigações domésticas, cuidado, proteção, cuidado e educação dos filhos, com origem em um modelo patriarcal, visto que os homens, de modo geral, não necessitam da flexibilidade da lei, dado que socioculturalmente não lhes são atribuídas tais responsabilidades —  daí a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao cumprimento do compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ratificar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979), principalmente em relação ao artigo 5º do Convenção.

 

O país aturaria de forma a reorganizar os condicionamentos socioculturais que causam diretamente os estereótipos masculino e feminino, para então impactar em uma maior equidade de gênero — não só em relação aos salários, mas também em relação aos cargos de liderança e atividades extrajornada.

 

Enquanto não houver políticas de equidade mais incisivas e completas, permanecerão as diferenças comportamentais nas relações de gênero, com graves prejuízos à mulher ao inevitavelmente acumular as obrigações da maternidade, as tarefas domésticas e o desenvolvimento no trabalho e emprego, além de sofrer discriminações por produtividade sob critérios não justificáveis e/ou sem um amparo suficiente para que desempenha a tríplice jornada. Portanto, uma mudança na conjuntura social para distribuição igualitária de tarefas domésticas e um aparato político e jurídico de proteção para isonomia de gênero são exigências que aparecem nos discursos e comemorações do Dia da Mulher, mas que se retraem ou se apagam no restante dos árduos dias da mulher a cada ano.

_________________________

Referências
EXTENSÃO DA GARANTIA PROVISÓRIA DO EMPREGO AO CÔNJUGE NÃO GESTANTE / Bruno Milhorato Barbosa. 2023. Pós-graduação em Novo Direito do Trabalho — Faculdade de Direito de Vitória.


 

 é advogado trabalhista, sócio fundador da Fabretti & Milhorato Advogados, especializado em Direito Individual e Processo do Trabalho pela Universidade de Cândido Mendes (Ucam) e pós-graduado em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

 

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-abr-01/bruno-barbosa-existe-discriminacao-salarial-mulher