Engana-se quem acredita que o julgamento da tese da "revisão da vida toda" irá dirimir todas as dúvidas e polêmicas em torno do tema. Com o julgamento, outras questões controvertidas estão sendo levantadas, tais como, a necessidade de manutenção do sobrestamento até o trânsito em julgado, a situação daqueles que não requereram a revisão enquanto aguardavam um posicionamento do Supremo Tribunal Federal e o início do prazo decadencial de benefícios precedidos de outros.

 

Sabe-se que a revisão da vida toda poderá ser aplicada para as aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio reclusão e pensão por morte, esses dois últimos por derivação.

 

O prazo decadencial, por sua vez, se aplica ao direito do beneficiário em pedir a revisão do ato de concessão do benefício. Esse prazo é de dez anos e se inicia no primeiro dia do mês subsequente ao primeiro recebimento.

 

Até aqui nada novo, mas nesse ponto surge uma dúvida: quando se está diante de benefícios precedidos de outros, ou seja, benefícios que são oriundos de uma transformação, o que fazer? Deve-se contar o prazo decadencial a partir do recebimento do benefício originário ou do recebimento do benefício transformado?

 

Nessa situação estão a pensão por morte precedida de aposentadoria, o auxílio-acidente precedido de auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença.

 

Elucida-se, desde já, que este artigo adota as nomenclaturas antigas dos benefícios por incapacidade, a fim de facilitar a leitura e a compreensão daqueles que não estão familiarizados com a área previdenciária.

 

Pois bem.  No que se refere à pensão por morte derivada de aposentadoria, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento em recurso repetitivo, com o Tema 1.057.

 

Dentre as questões decididas, a Corte Superior concluiu que em se tratando de pensão precedida de aposentadoria, o prazo decadencial deve se iniciar da data do recebimento do benefício originário.

 

Pensamos que acertado foi nesse ponto o entendimento do STJ, visto que, tratando-se de revisão da pensão por morte precedida de uma aposentadoria, em verdade, objetiva-se a revisão do próprio benefício originário, o que gera efeitos financeiros no benefício recebido pelo dependente. A pensão por morte, nesse caso, não possui uma fórmula própria de cálculo, sendo o seu valor resultado da utilização da renda mensal da aposentadoria.

 

Não há independência entre os benefícios. Não há como revisar o segundo sem revisar o primeiro. Portanto, evidente que o prazo para requerer a revisão do ato de concessão não se renova com a pensão, mas incorpora-se ao patrimônio dos dependentes ou herdeiros, que poderão exercê-lo dentro do prazo legal.

 

Entretanto, situação diversa é da aposentadoria por invalidez e do auxílio-acidente precedidos de auxílio-doença.

 

Questionados, muitos profissionais responderão que o prazo decadencial em tais casos se inicia com a concessão do benefício originário, uma vez observado o Tema 1.057 do STJ.  Ou seja, cria-se uma regra de que, tratando-se de benefícios precedidos de outros, o prazo decadencial se iniciaria a partir do recebimento do primeiro.

 

Com a máxima vênia aos nobres profissionais que assim pensam, a aplicação do entendimento firmado no Tema 1.057 para as situações de aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente precedidos de auxílio-doença é equivocada.

 

Diferentemente da pensão por morte precedida, para revisão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-acidente precedidos de auxílio-doença, não há necessidade de revisar o benefício originário. Ou seja, há uma independência entre os benefícios. 

 

Isso porque, o cálculo da renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez e do auxílio-acidente tem fórmula própria, prevista no art. 29, incisos I e II da Lei 8.213/91 (com vigência até a EC 103/2019).

 

Em relação a aposentadoria decorrente de transformação, o Decreto 3.048/99, em seu artigo 32, §4°, determinou que em seu cálculo fosse utilizado o mesmo salário de benefício que serviu de base para cálculo do auxílio-doença, evidentemente, para que não restasse incluído nesse cálculo os valores recebidos a título de auxílio no período que antecede a aposentadoria.   

 

Isso em razão do fato de que não sendo o benefício por incapacidade intercalado por períodos de atividade, este não deverá computar no tempo de contribuição do segurado e, igualmente, também não deverão ser utilizados os salários no período básico de cálculo.

 

Veja, o legislador não se referiu ao "salário de benefício do auxílio-doença", mas "ao salário de benefício que serviu de base", ou seja, trata-se de um dos elementos da equação do cálculo dos benefícios, mas que não pertence nem a um, nem a outro.

 

Deve-se observar, ainda, que a determinação do Decreto 3.048/99 facilita o cálculo da Autarquia quando há transformação do auxílio em aposentadoria, mas a Lei 8.213/91 — até a EC 103/2019 —, prevê uma forma de cálculo própria para a aposentadoria por invalidez, independentemente do auxílio-doença.

 

Ainda que o INSS utilize o mesmo salário de benefício do auxílio-doença, apenas atualizando o valor encontrado, aplicando coeficiente diferente quando da transformação de um benefício em outro, nesse momento, surge a responsabilidade da autarquia de corrigir possíveis erros no cálculo do salário de benefício, visto que a lei determinou, em verdade, um novo cálculo da renda mensal inicial (RMI).

 

Assim, com o novo benefício, qual seja, a aposentadoria por invalidez, surge uma nova concessão e um novo início do prazo decadencial, de modo que o pedido de revisão da aposentadoria não visa a revisão do auxílio com reflexos no benefício posterior, mas objetiva a revisão da própria aposentadoria.

 

A mesma linha de raciocínio se aplica ao auxílio-acidente precedido de auxílio-doença, sendo que para este caso o Decreto 3.048/99 sequer determina a utilização do salário de benefício que serviu de base para o auxílio-doença. Trata-se aqui de um novo cálculo de benefício, cuja revisão independe do benefício que o antecedeu.

 

Outrossim, enquanto a pensão é um benefício pago aos dependentes, que nessa condição incorporam o direito do titular à revisão, pelo tempo que estaria disponível para ele exercê-lo, a aposentadoria e o auxílio-acidente são benefícios pagos ao próprio segurado e, havendo um novo fato gerador de um novo direito, qual seja, a incapacidade total e permanente ou a redução da capacidade laboral, renova-se também o seu direito de revisar o ato concessório.

 

Veja-se que a aposentadoria por invalidez e o auxílio-acidente precedidos de auxílio-doença, em nada guardam relação com a pensão por morte precedida de aposentadoria, a não ser o fato de serem benefícios antecedidos de outros. A falta de similitude entre os destinatários e a forma de cálculo diversa de cada benefício, evidencia a impossibilidade de aplicar a mesma conclusão do Tema 1.057, no que se refere ao início do prazo decadencial.

 

Desse modo, havendo uma nova concessão de um novo benefício, independente e com cálculo próprio, há de se concluir que o prazo decadencial de revisão do benefício transformado se renova com a sua concessão.

 

Cumpre destacar, por fim, que as questões postas sob análise do STJ no Tema 1.057 nada tratavam da aposentadoria por invalidez e do auxílio-acidente transformados. Aplicar a lógica do Tema 1.057 à aposentadoria por invalidez ou ao auxílio-acidente precedidos de auxílio-doença, sem que a questão específica tenha sido levada à análise das cortes superiores, implica em conceber interpretação extensiva de uma decisão judicial, com fito de restringir direitos, situação não permitida em matéria previdenciária, nem mesmo, quando se trata da aplicação da lei.


 

 é advogada especialista em Direito Previdenciário e em Planejamento Previdenciário e sócia-proprietária do escritório Alini Melo Advocacia.

 

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-abr-27/alini-melo-revisao-vida-toda-prazo-decadencial