Jorge Lopes Bahia Junior
A demissão de trabalhador doente pode ser ilegal se configurar prática discriminatória ou violar direitos garantidos pela CLT e pela Constituição.

A dúvida sobre a legalidade da demissão de um trabalhador doente é uma questão que gera grande preocupação. Afinal, adoecer é uma condição inerente à vida e, muitas vezes, está fora do controle do indivíduo. Mas posso ser demitido estando doente? A dispensa de um funcionário nessa situação é sempre ilegal ou existem exceções? Neste breve artigo, vamos buscar esclarecer esse tema de forma acessível ao trabalhador.

Posso ser demitido estando doente? O que diz a lei?

A CF/88 prevê a possibilidade de dispensa imotivada pelo empregador (art. 7º, inciso I), desde que sejam assegurados os direitos compensatórios ao trabalhador. Ou seja, em tese, a empresa pode encerrar o contrato de trabalho sem necessidade de justificativa. No entanto, esse direito não é absoluto. O ordenamento jurídico brasileiro repudia condutas arbitrárias e discriminatórias, especialmente quando colocam em risco a dignidade e a saúde do trabalhador.

Demissão de trabalhador doente: O que diz a CLT?

A CLT - Consolidação das Leis do Trabalho estabelece no art. 476 que, se o trabalhador estiver afastado em razão de doença, o contrato de trabalho fica suspenso. Isso significa que, enquanto perdurar essa suspensão, o empregador não pode demitir o funcionário. A proteção é ainda mais clara quando o trabalhador está recebendo auxílio-doença pelo INSS. Durante esse período, a empresa não pode encerrar o contrato de trabalho, pois a legislação busca preservar o emprego do trabalhador em um momento de fragilidade.

Demissão discriminatória: Uma prática ilegal

A demissão de um funcionário doente pode ser considerada discriminatória e abusiva, especialmente quando a doença compromete sua capacidade de trabalho. O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos III e IV, da CF) e a proibição de práticas discriminatórias (art. 3º, inciso IV, da CF) reforçam a necessidade de proteção ao trabalhador.

Se a dispensa ocorrer enquanto o trabalhador está enfermo, a Justiça do Trabalho pode entender que houve um abuso de direito, determinando sua reintegração ao emprego ou o pagamento de uma indenização correspondente.

E se a doença não tiver relação com o trabalho?

Mesmo que a enfermidade não tenha sido adquirida em função do trabalho, a demissão pode ser questionada. O empregador precisa agir com cautela e responsabilidade social, evitando dispensas que possam agravar a situação do trabalhador. Se o empregado está afastado por motivos de saúde, a dispensa pode ser considerada nula, eis a empresa tem o dever de afastar o trabalhador de suas funções e encaminhá-lo ao órgão previdenciário para percepção do auxílio-doença.

Trabalhador com cirurgia marcada

O rompimento da relação de trabalho quando o trabalhador está com cirurgia marcada pode ser considerado ato discriminatório vedado pelo ordenamento jurídico. Nesses casos, o empregado tem o direito de optar entre a reintegração ao emprego com ressarcimento integral do período de afastamento ou a percepção, em dobro, da remuneração referente ao período em que esteve afastado. Esse direito está respaldado pelos arts. 1º e 4º da lei 9.029/95, arts. 1º, III e IV, 3º, IV e 5º, caput da CF/88, além da Convenção 111 da OIT.

Além disso, presume-se discriminatória a despedida do empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. O empregador, ao ter ciência do estado de saúde do trabalhador, deve comprovar qualquer motivação legítima para a dispensa, seja de ordem disciplinar, técnica, econômica ou financeira, conforme aplicação analógica do art. 165 da CLT.

Nesse sentido, vale destacar o entendimento consolidado na súmula 443 do TST - Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula 443 do TST

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

O trabalhador não é uma peça descartável

Um trabalhador não é uma peça de máquina que, quando dá defeito, é descartada e substituída por outra. Ele é um ser humano, com necessidades, sentimentos e direitos. O mercado de trabalho deve reconhecer essa realidade e tratar cada profissional com a dignidade que lhe é devida. O respeito ao trabalhador, especialmente em momentos de vulnerabilidade, é essencial para a construção de um ambiente mais justo e equilibrado.

Conclusão: Posso ser demitido estando doente?

O empregador tem o direito de rescindir contratos de trabalho, mas esse direito não é ilimitado. A dispensa de um trabalhador doente pode configurar prática discriminatória, ilegal e abusiva, podendo (devendo) ser revertida judicialmente.

Se você ou alguém que conhece foi demitido enquanto estava doente, é fundamental buscar orientação jurídica para entender seus direitos e tomar as medidas cabíveis. A legislação trabalhista está em constante evolução para garantir que, mesmo diante das dificuldades da vida, o trabalhador tenha sua dignidade e saúde protegidas.


Jorge Lopes Bahia Junior
Jorge Lopes Bahia Junior. Advogado trabalhista. Advogado especializado em Direito do Trabalho, atuando na defesa dos trabalhadores desde 2017. Atuou em mais 2.500 processos trabalhistas em todo Brasil

 

MIGALHAS

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